20 junho 2007

O Navegador



O Infante D. Henrique

Em seu trono entre o brilho das esferas,
Com seu manto de noite e solidão,
Tem aos pés o mar novo e as novas eras -
O único imperador que tem, deveras,
O globo mundo em sua mão.

Fernando Pessoa

08 junho 2007

António Lobo Antunes na Feira do Livro



Chegou com mais de meia hora de atraso. Trazia sapatos de pala pretos, brilhantes – a marca de uma geração –, calças de ganga e a camisa solta. Suspenso pela mão esquerda, um pesado blusão de pele caído nas costas.

Vagueou um pouco, daqui para ali, dali para acolá, estranho, indeciso, com um olhar vazio e sofrido. Aparentemente ter-lhe-á desagradado a centralidade e a exposição visual do Café Literário. Após uma troca de palavras com dois acompanhantes solícitos, o cortejo transferiu-se para um recanto, feito de divisórias amovíveis, debaixo da escadaria do Pavilhão Rosa Mota.

No caminho um rapazola ousado aborda o escritor. Lobo Antunes acede a figurar numa fotografia com o rapaz, que passa a máquina fotográfica à namorada. Entusiasmado, o moço abusa. Abre um sorriso para o retrato, eleva o braço esquerdo e pousa-o nos ombros do autor, como se fossem íntimos. Lobo Antunes dá a figura, sem participar da farsa. Olha para o lado, como se estivesse perdido.

A atmosfera, no pequeno local, rapidamente fica irrespirável. Há muita gente com livros, ansiosa por conseguir um autógrafo. O autor, sem nunca abandonar o olhar vago e sofrido, atende cada um com a solicitude possível. «O seu nome, por favor?». «César Augusto!». «É um nome pesado…» - comenta. E lá deixa a dedicatória nas primeiras páginas de «A Explicação dos Pássaros».

Afasto-me, pensando que prefiro a implícita e salutar arrogância das habituais entrevistas do escritor, a este António Lobo Antunes fragilizado pela doença que recentemente o acometeu.

O fiasco do regresso

O anunciado regresso, há dois meses, d'A Cidade Surpreendente revelou-se um fiasco. Primeiro, porque tenho andado com a minha atenção e o meu tempo direccionados para outros afazeres. Segundo, porque, diga-se em abono da verdade, o entusiasmo com que alimentava o blogue acabou por esmorecer.
Este espaço contudo não acabará, continuará, isso sim, com actualizações esporádicas.
O meu obrigado a todos aqueles que se mantiveram fiéis visitantes d'A Cidade Surpreendente, que mais não é do que um olhar pessoal sobre a nossa cidade. Aos muitos comentários da entrada abaixo responderei, na medida do possível, por correio electrónico.

07 abril 2007

Do moinho e da vida



«Não me fotografe, fico muito velha nas fotografias», diz-me Maria Estrela. «Eu ponho-a nova», respondi-lhe. E ela aí está, fazendo jus ao nome, sorridente, digna, com uma vida de trabalho marcada no rosto.





Nasceu ali, em Coucela, Penha Longa, freguesia ribeirinha do grande rio. Tem cinco filhos e onze netos, todos residentes em Portugal - coisa rara nesta terra marcada pela emigração. Aos oitenta anos ainda semeia, colhe, mói e faz o pão. Vive entre pés de vinha e árvores de citrinos. É Domingo e Maria Estrela de Oliveira enverga roupas de trabalho. Para assinalar o dia traz dois vistosos brincos de ouro. Parece divertida com o nosso interesse pelo moinho, mas quantos de nós viram um moinho a trabalhar?



Este é movido pela água do Refojos, um ribeiro que foi cavando um sulco na montanha e corre apressado de pedra em pedra, encosta abaixo, num percurso que não terá mais do que seis quilómetros, até se despenhar no Douro, em Afonsim, duas curvas abaixo do Carrapatelo. Um lugar idílico onde o silêncio apenas é quebrado pela passagem dos barcos que transportam turistas, rio acima, rio abaixo, a horas certas.



Manuel Joaquim Messia, bem tratado, diz manter o moinho por gosto. Tem uma névoa no olhar que lhe tolda a visão. Foi dono de quatro moinhos em Vila Real. Ficaram para trás, perdidos no tempo, quando deixou o Corgo e se instalou nas arribas do Douro, para comprar terra e casar.
O rio de então não era o lago de hoje, comprimido pelas barragens. Corria livremente, tormentoso no Inverno e manso no Verão. Das margens avistavam-se os rabelos transportando vinho, e tudo o mais que o Douro interior produzia, rumo ao Porto.
«Ó senhor Arrais! Quantas pipas levais?». «Levo uma… levo duas… levo três! Vai pró corno que te fez!».
Memórias e vivências de outro tempo, a cada dia que passa mais distante e difícil de encontrar.

29 março 2007

O regresso da Cidade





Como se pode observar pela data da última entrada, há dois meses que não actualizo A Cidade Surpreendente. Mais importante, para mim, do que enumerar as causas da ausência é assinalar o regresso das actualizações do blogue. Para tal, escolhi duas fotografias datadas do período de afastamento. Uma, que gostaria de ter tirado, assinala as treze horas e trinta e sete minutos de 11 de Fevereiro passado, dia em que um cerrado e pacífico nevoeiro, como já não me lembrava de ter visto nem sentido, desceu suavemente sobre o Porto. Foi-me gentilmente enviada, e dedicada à Cidade Surpreendente, por Álvaro Mendonça, com o título feliz de Neblina Concertante. Os Liquidâmbares da Rotunda da Boavista erguiam, então, os ramos despidos de folhas ao céu.
A outra foto foi tirada poucos dias depois, a 24 de Fevereiro. Apesar da ausência unificadora da neblina, não é menos concertante do que a primeira. O concerto aqui é, no entanto, outro, o do tempo universal, marcado pelo prenúncio da Primavera com que a Magnólia da Praça da Liberdade nos presenteia, vestindo-se de branco em pleno Inverno, invariavelmente, a cada ano que passa, para alegria dos nossos dias.