«Nasci no Porto. A cidade, os seus arredores, as praias próximas, descendo para o Sul, permanecem para mim a pátria dentro da pátria, a Terra materna, o lugar primordial que me funda.
Ali estão as tílias enormes, as manhãs de nevoeiro, as praias saturadas de maresia, os rochedos cobertos de algas e anémonas, as Primaveras botticellianas, os plátanos, a cerejeira, as camélias.
Ali o rio, as casas em cascata, os barcos deslizando rente à rua nas tardes cor de frio do Inverno.
Ali o cais, a Ribeira, os rostos, as vozes, os gritos, os gestos.
Uma beleza funda, grave, rude e rouca. Escadas, arcadas, ruelas abrindo para o labirinto do fundo do mar da cidade. E, aqui e além, um rosto emergindo do fundo do mar da vida.
Porque ali é a cidade onde pela primeira vez encontrei os rostos de silêncio e de paciência cuja interrogação permanece.
Porque ali é o lugar onde para mim começam todos os maravilhamentos e todas as angústias.
Cidade onde sonhei as cidades distantes, cidade que habitei e percorri na ilimitada disponibilidade interior da adolescência.
Descia pelo Campo Alegre, passava a Igreja de Lordelo, seguia entre muros de jardins fechados.
Através das grades de ferro dos portões viam-se rododendros, buxos, cameleiras.
Depois surgia um rio e ao longo do rio eu caminhava sobre os cais de pedra, até à barra, até aos rochedos onde se espraiam as ondas.
Histórias de naufrágios, de barcos perdidos, de navios encalhados. Por isso nas noites de temporal se rezava pelos pescadores. Ouvia-se ao longe o tumulto do mar onde navegavam os pequenos barcos da Aguda tentando chegar à praia. Quando a trovoada estava próxima, a luz apagava-se. Então se acendiam velas e se rezava a Magnífica. [...]
Porque nasci no Porto sei o nome das flores e das árvores e não escapo a um certo bairrismo. Mas escapei ao provincianismo da capital.»
Sophia de Mello Breyner Andresen
12 dezembro 2013
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4 comentários:
Impossível não amar desatinadamente esta cidade, quando se nasce nestas pedras.
Que mais dizer, que melhor explicar, do que já pintado pela poetisa portuense aqui declamada?
Bela imagem, Carlos Romão !
Ao que a MARGARIDA disse, nada,mas mesmo nada, tenho a acrescentar.
Grande abraço e parabéns pelo novo cabeçalho !
O MEU CANTO AO PORTO
Entre ruas empinadas,
Num sobe e desce constante,
Estás tu, o meu Porto.
Pedras desgastadas,
Algumas enegrecidas
Pelo repouso das penas,
Onde reverdejam alegrias.
Isto é o que senti ao teu lado
Rodeado de bons amigos:
Vindos de longe para ver-te.
Calcando ruas e escadarias,
Por cima dos telhados vermelhos
Espelhos quando molhados.
Mais abaixo o Douro,
Lento, pachorrento, caprichoso,
Contornando o seu espaço, entre
Granjas e videiras, quais jardins.
Os barcos Rabelos seguem ali,
Ainda flutuam com garbo
Orgulhosos do seu passado,
E quanto vinho transportaram!
Aqueles arcos da Ribeira,
As casas apinhadas dos Guindais,
As pontes, e que arcos!
Frondoso arvoredo, e o Palácio
Que já não é de cristal.
O museu Romântico,
E o rei Carlos Alberto:
Quanta historia tem esta terra!
Henrique, o navegador, nasceu aqui,
E quando foi a Ceuta
Deixou ao povo as tripas:
O custo de tal façanha!
Ser tripeiro é um orgulho!
Assim como Manuel de Oliveira.
Na Foz, o mar rebentava
Branco de espuma e de fúria,
No céu as gaivotas!
Na Reboleira soou o Fado,
Sentimento vivo dum povo.
Num afã de possessão
Fotografe tudo,
Quis trazer-te comigo.
Neste ir e voltar tão meu...
Sinfonia de queixumes dou
Desgarros que são meus,
Pedaços de mim que aqui deixo
Entre abraços e olhares.
A tua fotografia, magnifica…
Para ti, um abraço amigo, por aproximar-me à nossa terra
Gostava de saber quem é o seu amigo DUARTE e se O MEU CANTO AO PORTO éde sua autoria.
Gostei muito !
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