27 dezembro 2010
24 dezembro 2010
21 dezembro 2010
A nave esculpida numa torre da Sé do Porto
Octávio Lixa Filgueiras (1922-1996) é já nosso conhecido. É dele o estudo A Arquitectura do Rabelo que esteve na origem do filme com o mesmo título, aqui abordado em 2005. Arquitecto, professor e investigador, com uma vastíssima obra dedicada à etnografia naval, foi ainda o mentor da arqueologia subaquática em Portugal, durante mais de três décadas.
Lixa Filgueiras foi também o autor do ensaio de identificação A nave esculpida numa torre da Sé do Porto, publicado em 1983.
Nesse opúsculo de oito páginas, o autor introduz-nos no tema a tratar referindo "o alegre bater dos picos, a ressonância macia dos cinzéis " dos canteiros, "dos homens que fazem cantar as pedras, que fazem as pedras falar", considerando que "um dos casos mais simples e mais significativos dum tal falar das pedras é o da representação dum navio" na torre norte da Sé do Porto. Representação que "na ingénua simplicidade do seu grafismo esquemático evoca a epopeia dum instrumento de trabalho, dos mais úteis que serviram os homens da sua época, sem o reflexo de qualquer arroubo romântico-literário." Tão verídica, afirma, "que até podemos identificar o espécime representado".
Lixa Filgueiras observa então que, ao contrário do que afirma outro autor, "um barco de pano redondo e perfil angular não se coaduna com a caracterização básica das caravelas, com os seus panos latinos e os elegantes cascos de proa curva por vezes recurvada para trás, bordas baixas, alteando para trás num contraste forte entre proa singela e popa acastelada, barco de incontroversa feição mediterrânica (Fig.1). As linhas hirtas e secas de manifesta feição nórdica," da embarcação da Sé, lembrariam outro género de vasos, em especial as cocas.
Acontece que o que se sabia em Portugal sobre estes barcos, até fins da década de cinquenta, era tão pouco que nem os dicionários de marinha os mencionavam, enquanto o Dicionário de Morais deles apresentava uma definição errada, confundindo cocas com fustas. É em 1961, com o livro The Ship, de Björn Landström (1917-2002), que o grande público passa a dispor de informação adequada e completa. Em 1962 a descoberta de uma coca no porto de Bremen e a sua recuperação pelo Museu Marítimo de Bremerhaven permite organizar um novo capítulo da arqueologia naval.
Diz-nos o autor: "A possibilidade que me foi dada, de observar em 1979 tão destacada peça arqueológica (...) abriu caminho a, passados tempos, olhar para a escultura da Sé do Porto em termos de lhe reconhecer uma identidade formal, de concepção e de caracterização técnica com o original de Bremen (Fig.2). De facto, se compararmos o nosso documento iconográfico com uma representação rigorosa do referido original (Fig.3) verifica-se que":
- "a armação é a mesma, constituída por um pano redondo armado em mastro colocado sensivelmente a meio comprimento de fora-a-fora, situando-se a representação esquemática ao nível das dos selos das cidades livres do Norte (Fig.4)";
- "o perfil do casco, na escultura é também dominado por uma 'quilha recta à qual se ligam uma roda de proa e um cadaste recto, segundo ângulos agudos' ";
- "ainda que o ângulo de lançamento das rodas da proa seja diferente nos dois casos, isso não constitui dificuldade visto que temos de considerar, não só as diferenças que poderiam apresentar as cocas entre si, mas também a significativa igualdade de traçado da roda de proa"(...);
- "a ausência do leme na escultura não levanta problema visto que um tal navio à vela, desta época, não poderia deixar de o possuir";
- "a ausência do estrado de popa, sobre-elevado, também não causa estranheza pois até cocas como as dos selos de Elbing (1242), de Wismar e de Harderwijik (Fig. 4/177, 178, 179) não estão guarnecidas de castelos ou estrados de popa";
- "a aparente menor altura de borda corresponderia a qualquer influência de embarcações de menor porte mas de cunho tradicional "(...);
- "a marcação do tabuado trincado não sofre dúvida; só que as fiadas não apresentam a natural curvatura, antes se alongam a direito, como na figuração do selo de Harderwijk".
"Tendo em conta as limitações que o granito e a mão-de-obra disponível certamente não deixaram de ocasionar, as relações de comparação estabelecidas permitem apontar para a aceitação de identificação da proposta".
Lixa Filgueiras, face ao que acabava de expor, põe a questão de não ser conhecida qualquer alusão a cocas tripuladas por portugueses, e refere o desconhecimento exaustivo dos nossos arquivos da época medieval.
"Que significado teria, portanto, esta pedra com a escultura dum barco que nem sequer vem mencionado nos documentos (conhecidos) relativos às relações do Porto com os comerciantes estrangeiros? E que parece nem ser um navio português? "
A resposta chega pela mão do investigador Óscar Fangueiro, que lhe dá a conhecer um texto apresentado por Jaume Sobrequès e Callicó no Congresso Luso Espanhol de Estudos Medievais, organizado pela Câmara Municipal do Porto em 1968:
"En el año 1333/34 se produjo en la Corona de Aragón una grave carestia de cereales. Para poder abastecer la ciudad de Barcelona los Conselleres Municipales ordenaron al jefe de su esquadra, Galferán Marquet, que le sequestrasse todas las naves que levasen trigo. En Junio de 1334 fueron sequestradas por el mencionado Marquet 6 cocas portuguesas que conducían trigo a Portugal; ello provocó una série de quejas del Monarca Portugés y de las Autoridades Municipales de Lisboa ante Alfonso El Benigno y los Conselleres de Barcelona."
Outras dúvidas, no entanto, persistem:
"Qual a função a que [a pedra] estaria votada na sua postura multisecular? memória, rasto de chegada de cruzados? sigla profissional? esquecido ex-voto? mera representação estereotipada? sinal de contribuição para obra? Qual a mensagem que lhe caberia transmitir - ou, mais modestamente, para comunicar o quê? e a quem? "
E conclui:
"São tudo questões de difícil ou, mesmo, impossível resposta."
Lixa Filgueiras foi também o autor do ensaio de identificação A nave esculpida numa torre da Sé do Porto, publicado em 1983.
Nesse opúsculo de oito páginas, o autor introduz-nos no tema a tratar referindo "o alegre bater dos picos, a ressonância macia dos cinzéis " dos canteiros, "dos homens que fazem cantar as pedras, que fazem as pedras falar", considerando que "um dos casos mais simples e mais significativos dum tal falar das pedras é o da representação dum navio" na torre norte da Sé do Porto. Representação que "na ingénua simplicidade do seu grafismo esquemático evoca a epopeia dum instrumento de trabalho, dos mais úteis que serviram os homens da sua época, sem o reflexo de qualquer arroubo romântico-literário." Tão verídica, afirma, "que até podemos identificar o espécime representado".
Lixa Filgueiras observa então que, ao contrário do que afirma outro autor, "um barco de pano redondo e perfil angular não se coaduna com a caracterização básica das caravelas, com os seus panos latinos e os elegantes cascos de proa curva por vezes recurvada para trás, bordas baixas, alteando para trás num contraste forte entre proa singela e popa acastelada, barco de incontroversa feição mediterrânica (Fig.1). As linhas hirtas e secas de manifesta feição nórdica," da embarcação da Sé, lembrariam outro género de vasos, em especial as cocas.
Acontece que o que se sabia em Portugal sobre estes barcos, até fins da década de cinquenta, era tão pouco que nem os dicionários de marinha os mencionavam, enquanto o Dicionário de Morais deles apresentava uma definição errada, confundindo cocas com fustas. É em 1961, com o livro The Ship, de Björn Landström (1917-2002), que o grande público passa a dispor de informação adequada e completa. Em 1962 a descoberta de uma coca no porto de Bremen e a sua recuperação pelo Museu Marítimo de Bremerhaven permite organizar um novo capítulo da arqueologia naval.
Diz-nos o autor: "A possibilidade que me foi dada, de observar em 1979 tão destacada peça arqueológica (...) abriu caminho a, passados tempos, olhar para a escultura da Sé do Porto em termos de lhe reconhecer uma identidade formal, de concepção e de caracterização técnica com o original de Bremen (Fig.2). De facto, se compararmos o nosso documento iconográfico com uma representação rigorosa do referido original (Fig.3) verifica-se que":
- "a armação é a mesma, constituída por um pano redondo armado em mastro colocado sensivelmente a meio comprimento de fora-a-fora, situando-se a representação esquemática ao nível das dos selos das cidades livres do Norte (Fig.4)";
- "o perfil do casco, na escultura é também dominado por uma 'quilha recta à qual se ligam uma roda de proa e um cadaste recto, segundo ângulos agudos' ";
- "ainda que o ângulo de lançamento das rodas da proa seja diferente nos dois casos, isso não constitui dificuldade visto que temos de considerar, não só as diferenças que poderiam apresentar as cocas entre si, mas também a significativa igualdade de traçado da roda de proa"(...);
- "a ausência do leme na escultura não levanta problema visto que um tal navio à vela, desta época, não poderia deixar de o possuir";
- "a ausência do estrado de popa, sobre-elevado, também não causa estranheza pois até cocas como as dos selos de Elbing (1242), de Wismar e de Harderwijik (Fig. 4/177, 178, 179) não estão guarnecidas de castelos ou estrados de popa";
- "a aparente menor altura de borda corresponderia a qualquer influência de embarcações de menor porte mas de cunho tradicional "(...);
- "a marcação do tabuado trincado não sofre dúvida; só que as fiadas não apresentam a natural curvatura, antes se alongam a direito, como na figuração do selo de Harderwijk".
"Tendo em conta as limitações que o granito e a mão-de-obra disponível certamente não deixaram de ocasionar, as relações de comparação estabelecidas permitem apontar para a aceitação de identificação da proposta".
Lixa Filgueiras, face ao que acabava de expor, põe a questão de não ser conhecida qualquer alusão a cocas tripuladas por portugueses, e refere o desconhecimento exaustivo dos nossos arquivos da época medieval.
"Que significado teria, portanto, esta pedra com a escultura dum barco que nem sequer vem mencionado nos documentos (conhecidos) relativos às relações do Porto com os comerciantes estrangeiros? E que parece nem ser um navio português? "
A resposta chega pela mão do investigador Óscar Fangueiro, que lhe dá a conhecer um texto apresentado por Jaume Sobrequès e Callicó no Congresso Luso Espanhol de Estudos Medievais, organizado pela Câmara Municipal do Porto em 1968:
"En el año 1333/34 se produjo en la Corona de Aragón una grave carestia de cereales. Para poder abastecer la ciudad de Barcelona los Conselleres Municipales ordenaron al jefe de su esquadra, Galferán Marquet, que le sequestrasse todas las naves que levasen trigo. En Junio de 1334 fueron sequestradas por el mencionado Marquet 6 cocas portuguesas que conducían trigo a Portugal; ello provocó una série de quejas del Monarca Portugés y de las Autoridades Municipales de Lisboa ante Alfonso El Benigno y los Conselleres de Barcelona."
Outras dúvidas, no entanto, persistem:
"Qual a função a que [a pedra] estaria votada na sua postura multisecular? memória, rasto de chegada de cruzados? sigla profissional? esquecido ex-voto? mera representação estereotipada? sinal de contribuição para obra? Qual a mensagem que lhe caberia transmitir - ou, mais modestamente, para comunicar o quê? e a quem? "
E conclui:
"São tudo questões de difícil ou, mesmo, impossível resposta."
18 dezembro 2010
Ponte da Arrábida candidata a monumento nacional
Um projecto para a construção de um edifício de grandes dimensões na envolvente da Ponte da Arrábida, está na origem da decisão da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto apoiar a candidatura da ponte a monumento nacional. A intenção é proteger aquela elegante estrutura, que irá completar 50 anos em 2013, do impacto visual do prédio projectado.
Veja aqui a manifestação de apoio da FEUP e aqui um abaixo-assinado com as razões invocadas para a classificação.
17 dezembro 2010
13 dezembro 2010
08 dezembro 2010
03 dezembro 2010
Há algo podre no vale do Tua
«Daniel Conde, no Diário de Notícias (via A Baixa do Porto):
"Há algo de podre no vale do Tua, e não é o fantasma do futuro a trazer um travo a esgoto das águas eutrofizadas da albufeira do Tua.
Há algo de errado quando um Estudo de Impacto Ambiental e um Relatório de Conformidade Ambiental de Projecto de Execução (RECAPE) afirmam numa base científica que a barragem vai ser desastrosa a nível regional e insignificante a nível nacional, mas a barragem avança.
Há algo de errado quando a Linha do Tua tem vindo a ser abandonada ou mesmo mencionada no caso Face Oculta, mas a culpa da má manutenção da via e estações é atirada como que para os próprios utentes que a utilizam. Há algo de muito errado quando um consultor da UNESCO afirma deslumbrado que a Linha do Tua tem todas as condições para ser considerada Património da Humanidade, reiterando o que disse o Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Ifespar) sobre o seu valor patrimonial único, mas depois os ministérios do ambiente e da cultura (e depois o próprio Igespar) concluem que nem o vale nem a Linha do Tua têm valor patrimonial ou ambiental algum, arquivando com uma celeridade desconcertante o processo de classificação desta como Património Nacional.
Algo não está bem quando os comboios da Linha do Tua ficam sobrelotados de turistas, quando o Plano Estratégico Nacional de Turismo e o Plano Regional de Ordenamento do Território do Norte prevêem maravilhas turísticas para esta região, e quando um projecto de turismo ferroviário para a Linha do Tua fica em terceiro lugar num concurso nacional de empreendedorismo, e a CP e a Refer fecham as portas à sua exploração turística.
Algo de muito errado se passa quando com um projecto ferroviário de baixo custo se poria um madrileno em Bragança em duas horas, e nos debates havidos em Trás-os-Montes sobre desenvolvimento ninguém diz uma palavra sobre caminhos-de-ferro.
Muito mal vai o estado da Democracia quando a voz de 18 mil peticionantes contra a construção da barragem do Tua e a favor da reabertura, modernização e prolongamento da Linha do Tua, defendendo inclusivamente métodos alternativos mais baratos e mais eficientes de produção e poupança de energia, não é ouvida ou não é suficiente para calar a de meia dúzia de indivíduos mal intencionados e de carácter duvidoso.
A lista de incongruências, atropelos, e laivos de actividades amplamente contempladas no Código Penal avoluma-se. Vagas de estudos científicos e pareceres de especialistas - de entre os quais UNESCO e Comissão Europeia - que apontam um severo dedo à barragem do Tua e coroam de louros o vale e a Linha do Tua, esboroam-se com um rumor de espuma do mar contra sabe-se lá que perigosos rochedos e contracorrentes.
Chegados a este ponto é lícito perguntar: em que mundos vive o Ministério Público e a PJ, ou será que o vale e a Linha do Tua é que já não pertencem a este mundo? Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto fede...»
"Há algo de podre no vale do Tua, e não é o fantasma do futuro a trazer um travo a esgoto das águas eutrofizadas da albufeira do Tua.
Há algo de errado quando um Estudo de Impacto Ambiental e um Relatório de Conformidade Ambiental de Projecto de Execução (RECAPE) afirmam numa base científica que a barragem vai ser desastrosa a nível regional e insignificante a nível nacional, mas a barragem avança.
Há algo de errado quando a Linha do Tua tem vindo a ser abandonada ou mesmo mencionada no caso Face Oculta, mas a culpa da má manutenção da via e estações é atirada como que para os próprios utentes que a utilizam. Há algo de muito errado quando um consultor da UNESCO afirma deslumbrado que a Linha do Tua tem todas as condições para ser considerada Património da Humanidade, reiterando o que disse o Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Ifespar) sobre o seu valor patrimonial único, mas depois os ministérios do ambiente e da cultura (e depois o próprio Igespar) concluem que nem o vale nem a Linha do Tua têm valor patrimonial ou ambiental algum, arquivando com uma celeridade desconcertante o processo de classificação desta como Património Nacional.
Algo não está bem quando os comboios da Linha do Tua ficam sobrelotados de turistas, quando o Plano Estratégico Nacional de Turismo e o Plano Regional de Ordenamento do Território do Norte prevêem maravilhas turísticas para esta região, e quando um projecto de turismo ferroviário para a Linha do Tua fica em terceiro lugar num concurso nacional de empreendedorismo, e a CP e a Refer fecham as portas à sua exploração turística.
Algo de muito errado se passa quando com um projecto ferroviário de baixo custo se poria um madrileno em Bragança em duas horas, e nos debates havidos em Trás-os-Montes sobre desenvolvimento ninguém diz uma palavra sobre caminhos-de-ferro.
Muito mal vai o estado da Democracia quando a voz de 18 mil peticionantes contra a construção da barragem do Tua e a favor da reabertura, modernização e prolongamento da Linha do Tua, defendendo inclusivamente métodos alternativos mais baratos e mais eficientes de produção e poupança de energia, não é ouvida ou não é suficiente para calar a de meia dúzia de indivíduos mal intencionados e de carácter duvidoso.
A lista de incongruências, atropelos, e laivos de actividades amplamente contempladas no Código Penal avoluma-se. Vagas de estudos científicos e pareceres de especialistas - de entre os quais UNESCO e Comissão Europeia - que apontam um severo dedo à barragem do Tua e coroam de louros o vale e a Linha do Tua, esboroam-se com um rumor de espuma do mar contra sabe-se lá que perigosos rochedos e contracorrentes.
Chegados a este ponto é lícito perguntar: em que mundos vive o Ministério Público e a PJ, ou será que o vale e a Linha do Tua é que já não pertencem a este mundo? Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto fede...»
02 dezembro 2010
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