
Já aqui tinha feito uma tentativa de ilustração de um poema de Eugénio de Andrade referente a um lugar concreto, o Passeio Alegre, com uma fotografia tirada da porta da casa do poeta. Sem pretensiosismo, vale o que vale: o prazer que me dá elaborar uma imagem, com um poema em mente.
«O Lugar da Casa» constitui mais uma referência, na poesia de Eugénio, ao local em que o poeta vive.
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O Lugar da Casa
Uma casa que nem fosse um areal
deserto; que nem casa fosse;
só um lugar
onde o lume foi aceso, e à sua roda
se sentou a alegria; e aqueceu
as mãos; e partiu porque tinha
um destino; coisa simples
e pouca, mas destino:
crescer como árvore, resistir
ao vento, ao rigor da invernia,
e certa manhã sentir os passos
de abril
ou, quem sabe?, a floração
dos ramos, que pareciam
secos, e de novo estremecem
com o repentino canto da cotovia.
Eugénio de Andrade






Dos Lados do Mar
Como Pelléas, também o vento de março
vem dos lados do mar.
Há nele uma aspereza de que sempre
gostei: a da fala
dos homens que estendem as redes
no sol dos varais, a dos frescos
de Siena onde também
passou um vento frio ao anoitecer
- o das escarpas de Alpedrinha,
que sempre, sempre, me escapava
entre os dedos e deixava nos cabelos
um cheiro à matinal luz da resina.
O que entrou pela janela
esta manhã e me bate na cara
traz o aroma das dunas,
cheira a barcos, ferrugem, alcatrão.
É o vento da Cantareira.


