O atributo «nova», para classificar a muralha mandada edificar por D. Afonso IV, distingue-a da antiga e pequena muralha, apelidada de sueva, que hoje se sabe ter sido levantada durante a ocupação romana da península, nos séculos III ou IV d.C.
Da velha muralha existe uma torre no morro da Sé, actualmente decorada com um sinal de trânsito e dois contentores de lixo verdes, cor da ecologia mas também da esperança. Adiante. É da cerca nova do Porto, longa de três quilómetros, que nos fala o excerto da crónica de Sant'Anna Dionísio, publicada nos anos 60, que escolhi para enquadrar a fotografia da muralha popularmente conhecida como fernandina. Muralha que, como vimos abaixo, foi mandada demolir pelo Almada pai, no século XVIII.
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«Ao sair da Idade Média, o Porto, tendo rompido a exígua carapaça do chamado muro velho (ou muro "suevo") , acomoda-se mais à vontade e com mais segurança dentro do muro novo, que, à custa de duro trabalho dos moradores e alguns decerto dos arredores, se erguera, em menos de meio século, desde o recôncavo de Miragaia ao despenhadeiro dos Guindais.
Essa importante obra de defesa deve ter sido determinada pelo risco que os Portuenses correram, em 1336, no começo do reinado de D. Afonso IV, quando uma aguerrida hoste de uns 1 300 galegos e castelhanos, capitaneados por um vassalo de Afonso IX de Castela, D. Fernando de Castro, invadiu o Entre Douro e Minho e veio até às cercanias do burgo. Em presença do perigo, o bispo, D. Vasco Martins, juntou a gente que pôde e, com a ajuda do arcebispo de Braga, D. Gonçalo Pereira (o avô de Nun'Alvares), e do grão-mestre da Ordem de Cristo, D. Estêvão Gonçalves, atacou os invasores e desbaratou-os na passagem do rio Leça.

Nesse mesmo ano se deu começo à construção da nova muralha do Porto, estando a cidade escarmentada com o risco que correra, pois inúmeras casas, por falta de espaço dentro do morro da Sé, haviam sido construídas fora da muralha velha.
De resto, desde D. Dinis, verificava-se, em Portugal, de norte a sul, intensa actividade de prevenção. Por toda a parte se construíam muralhas e couraças. Vila Real, Chaves, Vinhais, Bragança, Trancoso, Pinhel, Sabugal cercavam-se de possantes torres e barbacãs. Eram as obras de toda a gente. No canseiroso formigueiro que as fazia surgir do chão misturavam-se homens de todas as condições: rústicos, vilões, mesteirais e até clérigos. Cada "vizinho" e cada pulso contribuía com um "canto".
Quem prestar atenção ao que ainda resta desses muros (infelizmente convertidos,quase todos, em pedreiras maninhas, nos séculos XVIII e XIX), não poderá deixar de ficar impressionado com a grandeza de tantas obras realizadas por um país que contava, se tanto, um milhão de habitantes.
A muralha nova do Porto, ao fim de quarenta anos de trabalho anónimo, estava concluída. Reinava então o Inconstante, já a braços com a desastrosa contenda com o Trastâmara. O burgo expansivo e forte podia dormir com mais sossego, tendo as portas bem trancadas de noite.
O muro apresentava uma altura média de três braças, de espessura uma braça, mais de meia légua de perímetro (uns 3400 metros), cinco portas defendidas por torres, sete postigos e duas dezenas de cubelos.
(Interrogue-se hoje algum mestre-de-obras, pausado e entendido, e pergunte-se em quanto poderia importar uma obra dessas, em boa cantaria de granito, bem travada e aparelhada -, não se esquecendo de o informar, à puridade, que os penedos, nesse tempo, eram cortados a guilho e o transporte dos grandes rebos se fazia em poderosas forquilhas ou «zorras» de carvalho lusitano...)
A relativa prosperidade que o burgo fruía (graças ao comércio com os países do Norte, nesse tempo mais necessitados ainda do que hoje do que só o solo e o sol dos meridionais lhes poderia levar: o vinho, as frutas e o sal), não deve ter sido alheia a essa obra realizada em tão reduzido tempo.»
Sant'Anna Dionísio