26 janeiro 2010

Janelas do tempo - X


A vetusta ponte Maria Pia esteve ao serviço da circulação ferroviária durante 114 anos, entre 1877 e 1991, um record que, provavelmente, os seus construtores não terão imaginado. Apesar de, no primeiro quartel do século XX, ter sido considerada a necessidade da sua substituição, a decisão de construção de uma nova travessia ferroviária do rio Douro só foi tomada no início dos anos 80.

Ao contrário do que é habitual, e seria de esperar, o poder local congratular-se com o investimento público na sua região, no Porto aconteceu o contrário. Paulo Vallada, então presidente da câmara, veio a terreiro manifestar-se contra a construção da ponte, considerando-a um gasto inútil de dinheiro público e defendendo, como solução alternativa, o reforço da estrutura e o alargamento do tabuleiro da ponte Maria Pia. Hoje, se a partir da marginal olharmos para cima e observarmos as duas estruturas, comparando-as, concluiremos que a proposta do político era um puro disparate.
Os jornais da época relatam este episódio picaresco que o Ministério das Obras Públicas Transportes e Comunicações ignorou. A ponte, afinal, era um elemento, entre muitos outros, inserido num vasto plano de remodelação dos transportes ferroviários na área metropolitana do Porto.



Para estudar, conceber e projectar a nova ponte, foi designado o Prof. Edgar Cardoso. Este apresentou, como primeira ideia, o projecto ilustrado acima. Esta travessia, porém, não agradou ao ministério. Foi considerada demasiado cara por ter as fundações no leito do rio multiplicadas por quatro e os pilares em v serem de execução complicada.



Edgar Cardoso, com a energia que lhe era reconhecida, avançou com uma estrutura linear e elegante em forma de pi, com dois pilares fundados no leito do rio e um vão central de 250m de comprimento a 66 m de altura. Após a abertura de um concurso público internacional a construção da ponte arrancou em Junho de 1984.

O Prof. Edgar Cardoso, era, no entanto, um experimentalista, não tinha um projecto de execução que permitisse prever o custo final da enorme estrutura a executar em betão armado. Por isso, a ponte foi adjudicada a um consórcio construtor por cerca de 3 milhões de contos (15 milhões de euros). Com o decorrer da construção, o projecto foi avançando e o preço subindo, atingindo no final 20 milhões de contos (100 milhões de euros).



A Ponte São João, inaugurada em 24 de Junho de 1991, é, apesar destes percalços, uma obra de engenharia notável que honra a tradição da construção de pontes arrojadas no Porto.

15 janeiro 2010

Retratos da Invernia - X





O estuário do Douro debaixo de chuva.

13 janeiro 2010

"Há Baile", no Nortadas

O Club Portuense é uma instituição (é um club, não um clube nem um ateneu). (...)
Neste fim-de-semana que se aproxima realiza-se ali o baile de apresentação das jovens meninas filhas de sócios (o "début"). É todo um cerimonial com as suas tradições e um protocolo próprio. Fato comprido para as senhoras e casaca para os cavalheiros. E muita valsa. Pais e filhas já lá andam a ensaiar os passos. (...)

A ler aqui.
A reflexão abaixo é de Joaquim Pinto da Silva. Foi publicada, em Dezembro passado, no quinzenário As Artes Entre as Letras. Divulgo-a aqui, com conhecimento do autor, porque a causa da aproximação de Portugal à Galiza me é profundamente grata e também porque se trata de um texto pleno de actualidade, incisivo e desassombrado que constituirá uma mais-valia para quem o ler.


Portugal e Galiza, do interdito ao crucial

- um texto incómodo (a Norte e Sul do Minho) de cultura, de política

1.
Para o comum dos portugueses, o galego e a Galiza representam uma particularidade étnica e uma região entre outras, em que uma gaita-de-foles, as Rias Baixas e um bom marisco fazem quase toda a distinção para com o restante do Estado espanhol.

Para alguns outros compatriotas, com alguma formação escolar, trazer-lhes-á uma remota ideia de uma literatura comum (a poesia trovadoresca), de algum relacionamento actual num tal de Eixo Atlântico, entremeado de alguns clichés sociais (o aguadeiro em Lisboa, o carregador na Ribeira, o trabalhador incansável) e talvez um preconceito histórico ligado a uma Mãe galega, Teresa, que perdeu uma batalha com o filho insubordinado que assumia pela primeira vez essa condição "superior" de português fundador, o "primeiro".

2.
Uma ditadura iníqua no século XX, uma Inquisição sanguinária (ainda que o Porto apenas tivesse tido um Auto-de-Fé, contrastando com as centenas em Lisboa e, sobretudo, de Évora e Goa) e um nacionalismo centralista afirmado sempre contra a imperial Castela, poderosa e ali ao lado, ajudaram a criar e a manter alguns dos grande mitos fundadores "nacionais", todavia vigentes, apoiados num desconhecimento que se encosta mais ao comodismo intelectual das ideias feitas do que a uma ignorância, também verdadeira, etária, geográfica e socialmente alastrada.

Portugal, na sua vertente histórica de Condado Portucalense, despega-se do restante da Galiza por um acto, comum à época, de afirmação senhorial em relação a um suserano de quem não poderia já tirar vantagens, antes pelo contrário, já que toda uma Reconquista para sul prometia terras a perder de vista e levas de vassalos contribuintes. Com essa independência (do Reino de Leão), que dura há quase 900 anos, em que desenvolve as suas capacidades próprias sociais, estruturais, psicológicas e linguísticas, chega ao que é hoje: senhor de uma História rica e de uma língua pluricontinental de poder crescente.

Mas a questão que sobra, ignota de muitos e relegada (por medo das consequências que poderia produzir e secundarizada pela iletrada tecnocracia vigente) é saber qual é nossa matriz cultural essencial?

Nascemos do nada? Temos Viriato (que viveu seguramente a maior parte da sua vida em território hoje de Espanha) e os lusitanos (povo do qual nem sequer sabemos a língua que falava) apresentados como substrato nacional, porquê?

Talvez a necessidade de afirmação nacional do ex-condado e do Portugal da altura obrigasse a um "desvio" no rigor dos nossos historiadores, comum a muitos povos, para fugir a uma verdade que poderia ainda abalar a nossa frágil independência? Talvez?

A "lusitanização" de que se fala com muita frequência ao norte e ao sul do Minho, foi uma etiquetagem. Os portugueses encontraram no termo "lusitano" o mito genético para construírem uma independência mais segura. Pensariam que mantendo o cordão umbilical galego estariam mais sujeitos a uma intervenção da Grande Espanha (com Castela dominadora), que tinha absorvido a Galiza a norte do Minho, pois poderia induzir-se pretensão anexionista futura.

Creio que foi esta a astúcia que permitiu justificar um Portugal, nascido do "nada" e "inventor" de uma língua que "sem origem" (a não ser o latim, apagando quase mil anos de História), e, por isso, Castela não tinha justificação nenhuma para impedir um povo/língua/cultura tão "diferente" do resto da Península, de ser independente. Recordemos, de passagem, que é o Cisma do Ocidente (1378-1417) que impondo a adaptação das estruturas eclesiásticas às estatais da altura, provoca de facto a separação política "final" entre as duas regiões.

Mas porque é que hoje, integrados numa Europa que nos garante, valha-nos isso!, a paz e a segurança internacional, não retomamos o caminho da ciência e da verdade históricas e não afirmamos sem peias que Portugal é de matriz cultural essencialmente galega?

Porque não se diz claramente que o galego é a nossa língua de partida, aquela de onde brotou a nossa variante, desenvolvida, apurada e internacionalizada, chamada português?

Porque se persiste em não explicar desde a instrução primária essa origem comum, insistindo-se em "escavar sinais" de vontade autonómica nos séculos anteriores?

As simples manobras de aproximação transfronteiriça, como muito bem assinalou Camilo Nogueira (um dos galeguistas mais esclarecidos na actualidade e que citamos aqui várias vezes), são um processo acomodatício, válido é claro para um relacionamento económico mais forte, mas que não basta para cumprir as nossas obrigações históricas e actuais, e defender o nosso passado e os nossos interesses.



3.
Nascidos antes mas estruturados nos movimentos liberais do século XIX, os Estados-nação já culminaram a sua função destruidora da diversidade política e nacional interna (CN). O conceito de que a um Estado, de fronteiras reconhecidas, corresponde uma nação de per si, com a lógica da jacobina igualdade cidadã e uma imposição de jure de uma língua comum, "aprofundando" assim a necessidade dessa comunidade linguística, "naturalmente " aceite, isto é, imposta por uma centralização, levaram, por exemplo, na França, à quase destruição, pelo menos ao aniquilamento político, da Bretanha, da Alsácia, da Córsega, do País d'Oc, e de outras nacionalidades, mais umas que outras, sobrevivendo ainda uns restos de sentimento nacional "recuperável" na ilha mediterrânica.

Em Espanha, pese os esforços de Castela, três nações conseguiram resistir até hoje, mantendo não apenas as suas línguas nacionais, mas também acesa a chama nacional e a vontade de perseguir os desígnios próprios a cada nação, a soberania à cabeça.

A ideologia "nacionalista" do Estado-nação (o pior dos "nacionalismos", porque disfarçado de supranacional) projecta sobre as nações internas a acusação de pretenderem a constituição de nações etnicamente uniformes, contrapondo a ideia de povo à de território, que seria a própria de Estados como o espanhol, que teriam assim os atributos da pluralidade, da diversidade e, incluso, da mestiçagem e da democracia (CN).

Na Galiza - ou não fosse tão igual a nós - existe uma situação de impasse, motivada, é certo, pela pressão terrorista de um centralismo avassalador, mas sobretudo por um movimento nacionalista preso a um esquerdismo - que é a doença infantil do galeguismo - que recusa abrir-se a outras camadas sociais ou que indistingue luta nacional e luta social, prejudicando gravemente um objectivo próprio, horizontal e acima de qualquer outro (acima, disse bem!), dando a volta, mas cedendo no fundo (e ainda com C. Nogueira) ao marxismo dogmático de Hobsbawn que qualifica os nacionalismos das nações sem Estado, como um fenómeno historicamente transitório, identificável com os interesses das burguesias, à maneira do que, em Portugal, deve ser o pensamento de um Bloco de Esquerda sobre esta questão, ou de outra "esquerda", mais larga e novo-rica que confunde o ser do mundo com a perda empobrecedora da personalidade própria (CN).

4.
Na Galiza, o eixo principal pelo qual a luta nacional tem de passar, e que "beneficiou" neste momento do ataque desenfreado do espanholismo linguístico (que acusou os nacionalismos de querer impedir o bilinguismo, quando o problema é exactamente o inverso) é o da língua.

O nacionalismo, presa ainda do conceito maximalista atrás citado e, nalguns sectores, ainda de um isolacionismo (bem burguês (pequeno), aliás) hesita em tomar a peito esta questão, armando-se da coragem dos Pais Nacionais do galeguismo político (primeira metade do Século XX).

Se ser nação é assumir a possibilidade de construir um Estado. mais verdade ainda é ser nação é que a língua própria seja indiscutivelmente a língua nacional" (CN). E esta, o galego só a pode cumprir cabalmente, se for aglutinadora e cimento de um povo, se se lhe der a continuidade histórica necessária, aquela que o galego enquanto tal, remetido durante muitos séculos a língua apenas oral e rural, não pôde beneficiar, mas que o galego, enquanto português, se temperou, tornando-se não apenas língua literária de larga produção mas ainda língua pluricontinental, a quinta mais falada no mundo (maternal).

Citamos o mais conhecido galeguista português, até hoje, Rodrigues Lapa:

Certos indivíduos, arvorados em linguistas, ignoram ou fingem ignorar a diferença entre vários tipos de língua: a que falamos no trato quotidiano, propriamente a fala; a que empregamos na escrita; e a que é mais elaborada e usamos na literatura. As duas pontas desta cadeia são obviamente a fala e a língua literária. Não é lícito confundi-las. O processo da língua oral é simples: uma vez lançada a mensagem, o signo é esquecido; mas o enunciado literário não morre por ter servido, "está feito expressamente para renascer das suas cinzas e tornar a ser indefinidamente o que acaba de ser", assim escreveu Paulo Valéry.
A recuperação literária do galego padece de um erro fundamental: a transplantação pura e simples da fala corrente para o texto dos livros. Não é assim que se forja uma literatura.


Considerar o galego como parte integrante do sistema linguístico galego-português-brasileiro, com o nome internacional de português, aproximar radicalmente (em sentido próprio) o galego escrito da norma portuguesa-brasileira, enriquecer a nossa língua comum dos milhares de vocábulos e expressões galegas, eis o caminho a percorrer: o que falta.

Bruxelas, 17 de Dezembro de 2009

Joaquim Pinto da Silva (galego do sul, português do norte)