27 maio 2013
13 abril 2013
10 abril 2013
06 abril 2013
A estátua que personifica o Porto regressou ao local de origem
Ler também: Arquitectos e a família de Fernando Távora chocados com a saída da estátua da Sé, no Porto24.
05 abril 2013
Os 250 anos da Torre dos Clérigos numa moeda de dois euros
03 abril 2013
Um longo adeus
Uma crónica de Mário Cláudio, publicada em Janeiro de 2007
Eugénio de Andrade morreu às três e trinta da madrugada de treze de Junho de dois mil e cinco. E a casa onde decorreram os seus doze anos finais, e onde se acha sediada a Fundação que leva o nome do poeta, ali está, enfrentando as intempéries, melancolicamente visíveis nos seus efeitos, de um Atlântico que lhe fica defronte, e que não raro constituía motivo de maravilha do querido autor de Mar de Setembro. Mais do que um lugar de habitação, ou até mesmo do que uma estância da memória, o prédio do Passeio Alegre na Foz do Douro fixa o fiel da balança do equilíbrio de um homem com a cidade que por comprida fase o teve como seu rosto culturalmente mais apresentável. Não frequentei a última residência de Eugénio de Andrade com assiduidade igual à que me atraía ao remoto apartamento, bem menos museológico, da Rua do Duque de Palmela. Só nas proximidades da morte do seu morador, e quando se tinham afastado muitos daqueles que costumavam citá-lo como «o Eugénio» com idêntico despacho ao que é de tom na referência a um qualquer futebolista, é que o procuraria eu mais vezes no seu espaço litoral.Passo agora diante do prédio branco, a todos os títulos em semi-abandono, e espanto-me com a fachada donde a tinta descola, roída pela salsugem, e onde os estores se abatem, semelhantes a tripas velhas. Avista-se ainda um ângulo da biblioteca, tão solitário que corta o coração, e uma ou outra luminescência longínqua, a anunciar que a vida aí afinal se não extinguiu ainda por inteiro. Mas consta-me que atacam o edifício infiltrações de águas que sobem do solo e sub-solo, que o sistema de aquecimento deixou de funcionar, e que as explosões necessárias às obras em curso na barra do Douro abalam perigosamente a construção, vizinha de resto de discotecas que conduzem até ao fim das noites algazarras em que em larga medida se excedem os decibéis estipulados por lei.
Não me interessa apontar eventuais responsabilidades, ou dividi-las pelas partes a quem por certo haverão de caber. Mas não duvido de que não pertencerão as culpas, isto porque quase nunca tal acontece, em exclusivo à municipalidade ou à direcção. Aprendi aliás, e ninguém me decepará a mão por o estatuir nesta crónica, que a incultura, sempre que potenciada pela prosápia, não alcançará senão precipitar resultados desastrosos. Como quer que seja os danos estão à vista, e não há quem levante os olhos para o que deveria ser átrio exemplar, acolhedor dos que admiram em Eugénio de Andrade uma irradiação suprema do talento, que não volte envergonhadamente a atenção para as suas próprias passadas.
O bom destino da Casa de Eugénio de Andrade, a não se situar onde se situa, só poderá estabelecer-se em outras bandas. «Em outras bandas» significará «em gente que encare o amor às letras, e o exercício dele, como questão de sobrevivência de um contexto civilizacional». Se se esquecer uma mão-cheia de coisas, dos partidos às capelinhas, dos incertos estatutos providenciais aos pequenos bustos académicos, das linhas contabilísticas aos boçais ressentimentos, talvez se alcance uma saída. Assim o desejem realmente os que afirmam desejá-lo.
Eugénio de Andrade morreu às três e trinta da madrugada de treze de Junho de dois mil e cinco. Esgotado o período de lhe acenarmos o adeus, é mais do que tempo de o retrazermos ao nosso convívio.
Expresso, 13 de Janeiro de 2007 _________________
Mário Cláudio regressou a este tema na crónica O Espólio de Eugénio de Andrade, publicada no Expresso no passado mês de Janeiro, que pode ser lida aqui.
26 março 2013
Um navio na barra do Douro
A entrada de um navio deslizando suavemente pelas águas na barra do Douro é algo agradável à vista e pouco comum. Como é sabido, o grande porto da região é Leixões e a navegabilidade do rio serve mais o turismo do que outras actividades económicas. Uma pesquisa rápida na rede permitiu saber que o Helga, que entrou hoje pelas 12h15 no Douro, vinha do norte da Europa e se dirigia ao cais de Várzea, 51 km a montante da via navegável, no concelho do Marco de Canavezes, para carregar granito.
24 março 2013
Duque de Palmela 111
Uma crónica de Mário Cláudio, publicada em Outubro de 2004.
A perfeita residência na terra de Eugénio de Andrade, perdoem-me os que antepõem as razões pragmáticas ao florescimento do lirismo, haverá de ser para todo o sempre aquele apartamento em Duque de Palmela, uma sala e uma alcova, unidas por um corredor. Por aí é que caminharia a Mãe, afagando a lombada dos livros alinhadíssimos, por aí é que vaguearia o Pai, íncubo capaz de terríveis malfeitorias. Não é que fosse a localização ideal para qualquer poeta esse piso porventura construído na década de cinquenta, entalado entre esgrouviados jardins do chamado Bairro Ocidental [sic] do Porto, dando para uma artéria, essa sim, com arvoredo de alguma dignidade. Mas abençoava-o a escassez que postulamos como inseparável dos grandes da poesia, e deste com a acrescida razão de se tratar de um criador de simpatias helénicas, timbradas pela vocação do gozo dos quatro elementos heraclitianos, afinal mais característica do sul do quedo norte da Europa.
A casa retinha de resto algo de tenda de nómada, isto sem perder quanto lhe assistia de útero matricial. Os quadros substituíam-se nas paredes, tal e qual como os tapetes dos beduínos, ali ficava a manta de agasalhar os joelhos, conforme ao que fora prática de Camilo, de Raul Brandão e de Aquilino, adoptada por David, por Agustina e pelo autor de Obscuro Domínio. Rimbaud possuía lugar cativo no quarto de dormir do nosso homem, presente através de uma reprodução do célebre retrato, esboçado por Fantin-La-tour. Subiam-se as modestíssimas escadas, e o poeta, acabado de regressar daquela peregrinação à Grécia, conformadora do dever literário de uma inteira geração, oferecia-nos um cálice de ouzo, e punha-se a explicar-nos o horror em que desde a infância trazia qualquer espécie de bebida alcoólica. Evocava uma fantástica cena à la Bruegel, o ribaldo da Póvoa da Atalaia que emborcara muito mais do que o bastante, as «madres terribles» da aldeia, acorrendo munidas de imensas colheres de pau, enfiando-as pela goela abaixo do beberrão, e até o fazerem vomitar o vinho ingerido. Não nos dando tempo a que recuperássemos de semelhante espectáculo, abria as pastas que continham os trabalhos dos amigos pintores, atribuía a cada um deles um comentário atento, privilegiando os que fossem aquilo que caracterizava como «um quase nada», e terminava por nos brindar com o que mais nos agradara, não implicando em tal gesto o menor alarde de munificência.
Já muito se falou da mesa portátil onde Eugénio de Andrade escrevia, e do pitoresco lenço de chintze com que costumava cobri-la. Mas a nossa lembrança mais querida do espaçozinho de Duque de Palmela povoa-se de dois bichos, muito diversos na espécie, ambos porém significativos ex-libris das mãos que os acariciaram. O primeiro é aquele burrico de barro, de um banalíssimo oleiro de Barcelos, que se implantava sobre a estante da entrada do apartamento. O outro é o elefantezinho de Delft que tínhamos numa prateleira da nossa própria estante, e pelo qual o poeta de tal forma se apaixonaria que lho enviámos de presente alguns dias mais tarde, sentindo-nos quase iguais, já o adivinharam, àquele rei descomandado, e um pouco novo-rico, que mandou uma embaixada de espalhafato ao pontífice de uma geração.
Relâmpago, Outubro de 2004