12 julho 2006

Uma imagem para uma nota do quotidiano portuense



Sábado, 11 horas da manhã.
Sento-me na esplanada da Sá Reis, na Praça da Liberdade. Aguardo dez minutos, sem ser atendido.
Um indivíduo de meia-idade com uma farta bigodaça grisalha, ar carrancudo, meio desgrenhado, vestido com uma camisola verde e vermelha, que lhe chega até meio das pernas, com as insígnias nacionais estampadas, aparece junto de mim e olha-me sem dizer nada. No primeiro instante pareceu-me um pedinte mas logo percebi, pela interrogação entretanto posta no olhar, que era o empregado.
Peço um pingo descafeinado que não demora e vem acompanhado de um porta guardanapos de papel, atirado para cima da mesa. O ruído provocado pelo choque do objecto no tampo metálico foi tal, que o tipo deve ter-se visto na obrigação de pedir desculpa.
Tomo o pingo e distraio-me a observar o vaivém das gentes naquela manhã de sol coado por uma ligeira neblina.
Decido retirar-me. Aguardo longos minutos que o empregado apareça. Com toda a paciência do mundo resolvo procurá-lo no interior do estabelecimento. Encontro-o ao fundo, a folhear um qualquer jornal. Estendo-lhe dez euros para pagar noventa e cinco cêntimos. Pergunta-me se não tenho trocado. Respondo-lhe que não, que não tenho moedas. O homem sai para trocar a nota na Ateneia, a confeitaria ao lado, e volta com um ar incomodado. Dá-me o troco. Abro a mão e verifico que faltam cinco cêntimos. Exijo-lhos. Agastado, atira-me com a pequena moeda para a mão.
Desapareço na manhã ensolarada com uma certeza, a de que a reabilitação urbana da baixa terá que ser acompanhada da reconversão deste modelo de serviços.

32 comentários:

th disse...

E cá estou eu a kuskar...lol
O que um artista pode fazer duma simples esplanada!
A ver tb o site de M Vaz http://passoapasso.weblog.com.pt/, de que já te falei.
Um beijo desta vez...lol, th

CARMO disse...

partilho da mesma opinião... às vezes tanto nos debatemos para que certas coisas sejam valorizadas, e depois somos esfaqueados pelas costas, pelos principais interessados.

Anónimo disse...

infelizmente este é mais um exemplo da excelsa simpatia de bem servir o cliente.
Quantas vezes não fomos confrontados com a velha máxima de que o empregado nos está a fazer um favor?
mas seja na baixa, ou na foz, onde por vezes podemos ficar sentados numa qualquer esplanada sem sermos interpelados.
constituindo o acto de pagamento por vezes o mais desesperante, desde os trocos á atenção dispensada, á rapidez de satisfação do pedido do cliente... TUDO!
haja a dita reconversão de serviços, chegue o dia em que tudo mudará e o país se passe a reger pelo modelo de concessionário de automoveis... sem desleixos nem faltas de profissionalismo.

MBSilva disse...

À medida que lia o seu postal tive a sensação de "dejá vu"! Onde é que já vivi a mesma situação?!

É incrível como, por vezes, nos deparamos com algumas pessoas que mais parecem estar a fazer-nos um favor do que a exercer a sua profissão! De preferência com alguma simpatia...
Leva-me logo a "riscar" o local da lista!

Mord Mckee - Villas Boas Exec. Coach disse...

Os empregados da Sá Reis são os piores da cidade. Só lhes interessa os turistas para os poder enganar. Conheço bem.

LurdesMartins disse...

Infelizmente é assim...

Pedro Marques disse...

Remeto o meu comentário para o Post seguinte:
http://forum-azemeis.blogspot.com/2006/07/prioridades-cont.html
Um abraço e Muitos, mas mesmo Muitos Parabéns pelo Blog.

animus disse...

porque será que "Comércio Tradicional" remete sempre para episódios desses?

E DEPOIS GRUNHEM?!

Fátima Belém disse...

Infelizmente tenho de concordar que esse tipo de situações são mais que comuns...

A verdade é que também há as excepções e ainda bem. Quando somos bem atendidos isso influencia o nosso (resto do) dia... E se retribuirmos com simpatia, o que nos ofereceram sem pedirmos, também nós contribuimos para um dia melhor dessa pessoa e assim sucessivamente, tornando-se isto numa bola de neve positiva...

Ilusão?! Talvez... Mas por isso procuro ir aos sitios que sou verdadeiramente bem atentida, ou... vá: normalmente bem atendida... Assim sei que serei contagiada com a boa disposição para depois a transmitir...

Talvez essa e outras esplandas (e outros sitios) cuja reabilitação urbana não existe, com o tempo se "sintam postos à parte" quando, os "vizinhos"... por exemplo uma outra esplanda por perto, estiver repleta de gente sorridente e bem disposta...

Quem sabe não será essa a nossa pequenina vingança? ;)

Teófilo M. disse...

Ai nem com nobo bisual a cretinice muda?!

De facto, com a "bonita escolha" do branco mais o contrastante (!!) metal acrescentado com a beleza do chão, até me subiram os calores.

Para a próxima é levar trocado e muita paciência, ou então trazer de casa.

Um xi apertado

Likas Meow disse...

=) Fantastico este blog, vou passar a ser presença assidua. Continuaçao de bom trabalho *

peciscas disse...

Tens toda a razão.
Este tipo de atitudes pacóvias dão-nos cabo da pachorra!

Anónimo disse...

Isso levar-nos-ia a uma longa dissertação filosófica: a [re]educação de mentalidades!

Apesar das gerações serem mts vezes diferentes, as atitudes mantêm-se!

Começo a pensar q o meu/nosso país pode ser um "jardim à beira-mar", mas em matéria de civismo geral da população, jovem ou menos jovem, letrada ou iletrada, está na cauda da Europa :(

saudações

azuki disse...

a falta de brio, que vemos tão frequentemente, é quase obscena

lembro-me de dois exemplos: os execráveis restaurantes do Rivoli e do Teatro do Campo Alegre

assim, não vamos lá

Anónimo disse...

só para dizer que a mim aconteceu-me praticamente a mesma coisa.
com a agravante de eu ter ido lá parar vindo da esplanada acima. A demora estava a ser tanta, que fui descendo até à última... com esse atendimento magnífico.

Anónimo disse...

Essa é a mesmissima razao que me levou a deixar de frequentar os cafés, bares e restaurantes da Baixa mais propriamente na Ribeira, que são administrados por gente sem qq interesse no porto e exclusivamente virados para a exploração do turista. Salvo raras excepções de pessoas com visão de negocio e com espaços apelativos interessados na reabilitação da baixa e em dar algo de novo aquela zona que acredito virá a melhorar substancialmente no futuro. Até porque como os brasileiros dizem os outros vão ter de se enxergarem! :)

Bart Simpson disse...

mas a cena toda é que estamos numa fase de metrópoli menstrual, e combinado com a camada do ozono a coisa complica.

croqui disse...

excelente blog!
esta cidade também não merecia menos!

Nuno disse...

Este tipo de atendimento tem sempre os dias contados o problema é quando a soma dá muitos! Mas não se preocupe que ouvi dizer que toda essa zona sinza vai ficar cheia de explanadas alegres e floridas de vida:S

Anónimo disse...

Passar por aqui é um pazer aos sentidos...
Um quotidiano que infelizmente ainda vai demorar alguns anos a desaparecer. Educação cívica, (sobretudo) precisa-se!

Rui Valdiviesso disse...

Passando a publicidade, o Guarany, um pouco mais acima dessa esplanada, tem um atendimento extremamente profissional e incrivelmente rápido. Pena não ter esplanada. Mas vale uma visita, por ser um dos resistentes cafés clássicos do Porto (se bem que renovado, mas com classe).

Tiburcius disse...

uma esplanada só serve para aliviar o calor sentido, já que se olhas para um lado da esplanada vês um condutor macabro a apitar e do outro uma publicidade com um vip a dançar com um aspirador.

augustoM disse...

Se fosse só no Porto, era chato, mas vá que não vá, mas é epidemia nacoinal, o fraco profissionalismo dos empregados de mesa.
Um abraço. Augusto

rps disse...

Completamente de acordo.

Anónimo disse...

Já por acaso pensaram que o ar cinzentão
da dita reabilitação da Praça, possa ter influenciado o caracter do empregado?
Não ponho as mãos no fogo pelos empregados da Sá Reis, mas seguramente era mais interessante ser
empregado na Praça, rodeado de jardins do que agora rodeado de granito.
Como Portuense sinto-me tão triste com o tipo de comportamento descrito,
como com o tipo de intervenção efectuada por quem não ama a cidade de certeza.
Parabéns á " Cidade Surpreendente". Tivessem os autarcas e os arquitectos o mesmo Amor
á Invicta que o caro autor demonstra.

aDesenhar disse...

infelizmente, exemplos de serviços mal prestados encontram-se aos milhares cá pelo burgo.

São sinais SIMPLEX QB como o desse excelente empregado da esplanada da Sá Reis que fazem a diferença.

Para ganhar, ter, conquistar um cliente pode levar anos...

Mas 1 segundo basta para perder esse cliente.

Mais simples que isto!

"a reabilitação urbana da baixa terá que ser acompanhada da reconversão..."

e reciclagem...

Deixo uma pergunta no ar:
Seria interessante perceber qual o problema ou quais as razões que levam este técnico da esplanada Sá Reis, a actuar desta maneira.
Porquê?
:)

Anónimo disse...

Tudo bem...mas se os reparos, justíssimos, aqui feitos não chegam à chamada entidade patronal do 'trabalhador'nada se transforma...

Lino Gomes disse...

2 comentários me ocorrem. O primeiro é que essa postura, por acaso bem mais frequentes noutras cidades do país do que no Porto, é absolutamente insuportavel e destrói qualquer tentativa de rabilitação de um espaço comercial!
A segunda é que a intervenção na área parece estar levar mais gente à baixa :)

a.leitão disse...

Sem pretender beliscar minimamente nos comentários até aqui colocados e com os quais estou de acordo, convém não esquecer que muitos utilizadores destes serviços agem de forma prepotente, antipática e carroceira. Esquecem que muitas vezes estão a ser "servidos" por PESSOAS que estão a fazer o seu trabalho e muitas vezes com cultura e habilitações bem acima das suas.

Anónimo disse...

pois que eu trabalhei dois dias num café muito conhecido e frequentado da cidade de Braga.
desisti! porque a verba que queriam gastar com a minha prestação de serviços era irrisória.

suponho que esse senhor trabalhe nessa casa há bastante tempo e lhe falte motivação para fazer algo mais pela qualidade e prestigio da mesma.
mal se entra ao trabalho, é bem possivel que se esqueçam os clientes...


mas o que é exagero também é demais!

Anónimo disse...

o porto é e será sempre provinciano, e são também estas atitudes que ajudam a comprovar esta constatação

ana pires

ophelia disse...

curioso..

sendo uma rapariga do norte (ou CENTRO NORTE, como tanto gostam de considerar, a meu ver de uma forma totalmente errada, a bela cidade dos ovos moles..) e estando provisoriamente a morar na capital, estou HABITUADÍSSIMA a EXCELENTES serviços de atendimento a clientes! Por vezes chego a questionar-me se não saiu uma nova legislação relativamente ao recrutamento de empregados de cafes/bares/restaurantes/lojas/... (tipo..TUDO), que apresente como requisitos fundamentais a antipatia e a falta de educação...
penso que será o mais lógico, pois o sorriso (que seria) normal e exigido, a delicadeza, entre outros, são qualidades que desapareceram no fabuloso mundo da hotelaria...

No entanto, numa das minhas recentes idas à fantástica cidade do Porto tive oportunidade de ser muito bem atendida em todos os estabelecimentos comerciais que visitei. Inclusivé, um dos comentários da amiga que me acompanhou (tb ela residente em lisboa), foi qualquer coisa do género "wow..ainda há empregados simpáticos.. em Lisboa não há nada disto..."

Parece que tive sorte...