08 junho 2007

António Lobo Antunes na Feira do Livro



Chegou com mais de meia hora de atraso. Trazia sapatos de pala pretos, brilhantes – a marca de uma geração –, calças de ganga e a camisa solta. Suspenso pela mão esquerda, um pesado blusão de pele caído nas costas.

Vagueou um pouco, daqui para ali, dali para acolá, estranho, indeciso, com um olhar vazio e sofrido. Aparentemente ter-lhe-á desagradado a centralidade e a exposição visual do Café Literário. Após uma troca de palavras com dois acompanhantes solícitos, o cortejo transferiu-se para um recanto, feito de divisórias amovíveis, debaixo da escadaria do Pavilhão Rosa Mota.

No caminho um rapazola ousado aborda o escritor. Lobo Antunes acede a figurar numa fotografia com o rapaz, que passa a máquina fotográfica à namorada. Entusiasmado, o moço abusa. Abre um sorriso para o retrato, eleva o braço esquerdo e pousa-o nos ombros do autor, como se fossem íntimos. Lobo Antunes dá a figura, sem participar da farsa. Olha para o lado, como se estivesse perdido.

A atmosfera, no pequeno local, rapidamente fica irrespirável. Há muita gente com livros, ansiosa por conseguir um autógrafo. O autor, sem nunca abandonar o olhar vago e sofrido, atende cada um com a solicitude possível. «O seu nome, por favor?». «César Augusto!». «É um nome pesado…» - comenta. E lá deixa a dedicatória nas primeiras páginas de «A Explicação dos Pássaros».

Afasto-me, pensando que prefiro a implícita e salutar arrogância das habituais entrevistas do escritor, a este António Lobo Antunes fragilizado pela doença que recentemente o acometeu.

30 comentários:

ana disse...

Sem dúvida...

Neves de ontem disse...

A fragilidade do corpo.

starfish disse...

concordo plenamente, é até dolorosa essa fragilidade e mais, mt humana.
o génio d carne e osso.

th disse...

É bom pensar que apesar de todas as fragilidades, do finito que é o corpo humano, o escritor é eterno, mesmo quando o vemos com as nossas fragilidades.
Um abraço, sempre amigo, th

LurdesMartins disse...

A vida consegue às vezes ser tramada...
Eu cá me manterei para ver novidades!
Beijinhos

Anónimo disse...

Só para enviar dois abraços....um para cada um !!!

rps disse...

Entendo-lhe a arrogância.
Nunca o li, excepto nas crónicas.
Excelente a discrição do gajo da foto: todos já vimos essa cena, algures. A malta não se enxerga...
Um abraço.

Ana disse...

Excelente foto que mostra a aparente fragilidade causada pela doença. Porque as palavras continuarão a ter a marca da sua força.
Saúdo o teu regresso à blogosfera.

Unknown disse...

... e uma imagem muito bem captada. Magnífica.

(Carlos Romão: finalmente o regresso, mesmo que esporádico!)

Hugzz!

Anónimo disse...

Carlos Romão, continue a surpreender-nos!!! Um abraço tripeiro.

the girl in the other room disse...

Antes viessem mais entrevistas difíceis de digerir. As crónicas dele na Visão têm sido mesmo impressionantes ultimamente.

Joana Roque Lino disse...

Veja por favor o nosso post do blogue 8ª edição do dia 10 de Junho. Obrigada

sombra_arredia disse...

...as máscaras atrás de um artista..
:(

isabel mendes ferreira disse...

estive com uns dias antes....

cruzamo-nos quase todos os dias.


e todo o azul parece agora mais denso.


in.discursável.


____________________excelente "olhar assim apanhado".



beijo.

Mónica (em Campanhã) disse...

tive pena de não poder lá ir... mas agoar percebo que me ia ser difícil. vê-se tudo na sua fotografia. já começamos a perdê-lo.

Anónimo disse...

Apesar da doença, não deixou de ser um excelente escritor, especialmente através das suas crónicas.
Há uns anos atrás, salvo erro por volta de 2000, fui assisitr à apresentação do livro dele "Não entres tão depressa nessa noite escura" e soube na altura que ele ouvia mal de um ouvido e já nessa altura apercebi-me da fragilidade a que mesmo um escritor está sujeito. Sim, as personagens dele ficam eternas, o nome dele também, mas o físico não. Não deixam de ser pessoas como o mais simples mortal...

piedosa mente disse...

O pouco que conheço do ALA. O pouco que me confere essa insignificância de já ter lido tudo ( quase tudo, pronto ) o que escreveu. Faz-me crer que, mais do que a doença, lhe dói o que sobre ele se escreve.
Como se ás mãos de uma doença ficássemos menores. Ou Inferiores, sei lá!? Como se fosse uma vergonha estar doente. E não é. Muito menos quando se trata de pessoas assim. Às quais nem a doença retira a dignidade de príncipe. Leiam as crónicas da Visão e ( estou certo ) entenderão do que falo.

peciscas disse...

Subscrevo inteiramente, em especial, o último parágrafo.

Anónimo disse...

esta foto é uma surpresa má. sinceramente, sabia da doença do escritor e li algumas das suas recentes crónicas mas não gosto desta imagem posta assim! não por impressão ou repulsa (não há muito tempo acompanhei a minha mãe até à morte e nunca foi repulsa mas amor o que senti sempre). Claro que até fico (ficamos) com mais ternura pelo autor e com vontade de lhe dar um grande abraço, mas não acho bem "roubar" uma imagem destas e vir para aqui fazer uma história com ela. Só gostava de saber uma coisa. António Lobo Antunes deu autorização para publicar aqui esta foto?
De qualquer forma, o que mais importa: muitos cumprimentos a Lobo Antunes e muita força para ele e para os que estão perto dele.

piedosa mente disse...

Leio e não acredito.
( Que me desculpe o anfitrião )
Mas há aqui uma mão invisível a empurrar-me.
Gostei da foto. Que mal há nela?
Será que vou ter de me esconder, um dia, caso adoeça?
Há coisas que não me entram na gaveta da compreensão.Francamente… Como se as dores já não nos penalizassem quanto baste.
Leio e não acredito.

Anónimo disse...

Acredite então nisto, se quiser. Não é a qualidade da foto que está em questão. O que me impressionou negativamente e me fez, talvez também por alguma mão invisível, escrever sobre isso foi (sem querer acusar o autor de má intenção mas antes de distracção) que neste tipo de situações, ainda para mais sabendo, como se diz no texto, que Lobo Antunes não aprecia propriamente a exposição, trazer a sua imagem para um local de tanta visibilidade, sem que isso venha a par da intenção de transmissão de força, de fé (porque, mesmo não sendo religioso, nestas situações é fé na cura que é preciso ter). Acredito que também tenha sido movido por alguma repulsa perante a atitude das pessoas que nestas situações a única coisa que dizem e fazem é "coitado", "como ele está" e viram costas. Porque passei por isso e sei o quanto é necessário outro tipo de reacções. E porque acredito que Lobo Antunes vai ultrapassar com vida este "episódio".

Carlos Romão disse...

Caro Anónimo

Como saberá, o escritor não deu autorização para divulgação da sua imagem. Nem precisava. António Lobo Antunes apresentou-se num evento aberto ao público, deixou-se fotografar por quem quis e foi assim, com a expressão retratada acima, que apareceu na TV. Está aqui, fotografado por mim, com a mesma dignidade da camponesa Maria Estrela, do Gino Barba Iglesia, artista plástico itinerante, ou de outros rostos com nome que por aqui têm passado, como os do Rui, homem-estátua, ou do Jaime, pedinte em Santa Catarina. Tanto quanto conheço dos escritos de António Lobo Antunes, o autor não se sentiria em má companhia junto destes personagens.

Mais: o motivo que me levou a decidir relatar o evento, foi o incidente do rapaz espigadote que se fez fotografar junto do escritor. Depois o texto correu rápido e esse episódio acabou por sair do centro da narrativa. Tão só isto!

Anónimo disse...

Estou a ouvir a RR e eis que se
fala neste blog, que imediamente visitei!
E achei lindas as fotos de Carlos Romão! E depois outra surpresa: a foto do meu escritor favorito!
Não percebo a maioria das reacções à publicação da foto! Não conhecem Lobo Antunes! A sua alma é transparente e o seu semblante demonstra-o! Não gostam de ver?
Visitem as pessoas nos hospitais ou idosos nos lares!
Talvez entendam melhor a mensagem aqui inscrita!
Mesmo doente, Lobo Antunes, apresenta sempre um certo ar cândido de "menino" perdido que a infância não protegeu.
Beijinhos para todos de uma Emília, que até poderia caber numa das histórias MAGNIFICAS de A.L. Antunes

Anónimo disse...

Há mentes para tudo, ou então, cada cabeça sua sentença. Só assim poderei entender a reacção negativa ao post. Se há alguém que expôs sem pudor a sua própria doença, foi o próprio Lobo Antunes nas crónicas da revista Visão, que o autor do comentário poderá ter lido, como afirma, mas não terá sabido interpretar.

O MEU OLHAR disse...

... gosto da forma como num istante de segunto o fragmento do seu olhar fica parado no tempo...

desde menina que os livros do Lobo Antunes estão espalhados pela minha casa... desde cedo me lembro do meu pai se deliciar com as palavras deste escritor...
confesso, foi dos poucos que me fez não acabar de ler um livro por me roubar um mar de lágrimas a cada página que escrevia...
ler a sua intimidade, as cartas de amor que escrevia para a sua mulher em tempos de guerra, fez me ver um homem... comum aos outros, frágil por amar...
a fragilidade do homem faz também parte dos génios... tenho pena que sofra de uma das doenças mais dolorosas... mas Lobo Antunes é um homem como todos os outros... iguais a todos os rostos que o próprio Carlos Romão fotografa... por isso mesmo, digno como os demais... frágil como nós... louco como poucos... artista das palavras como só ele pode ser... um homem na sua essência!

Anónimo disse...

Só a escrita em todas as suas dimensões e formas é eterna!
Vai-se o Homem fica a Obra.
E assim é que é!
Salvé António!

Mary disse...

Não haverá alguma arrogância na exposição da doença de António?
Como é possível alguém dizer "vai-se o Homem fica a Obra"?
Leio e não acredito. sinceramente

Anónimo disse...

Estou dividido quanto à oportunidade da publicação da foto, embora me incline para o sim, tanto mais quanto é certo que o próprio ALA trouxe a público, na Visão, o problema que teve. E é ver (melhor, ler) o que continua a escrever. Parabéns ao autor do texto, que é excelente.

Anónimo disse...

Bela fotografia de Lobo Antunes. Tão bela como a sua própria atitude face à doença.

Abraço

Anónimo disse...

Um belo homem