07 dezembro 2005

Lello & Irmão - uma livraria deslumbrante



No dia 13 de Janeiro de 1906, por volta do meio-dia, a baixa portuense acotovelava-se para ver as individualidades mais destacadas das Letras portuguesas, professores universitários, artistas, jornalistas, homens políticos e comerciantes do Porto, entre os familiares dos proprietários da Livraria Lello e Xavier Esteves, autor do projecto do edifício a inaugurar, todos dirigindo-se para o interior daquela casa, onde se procederia à solenidade de abertura. Presentes figuras como Guerra Junqueiro, Abel Botelho, João Grave, Bento Carqueja, Aurélio da Paz dos Reis, Afonso Costa e muitos outros.



Depois de um beberete e de palavras elogiosas proferidas aos editores livreiros, Abel Botelho deixou registado o seu testemunho no Livro de Ouro da livraria, que se revelou premonitório: «...erigir um tão formoso templo ao divino culto da Emoção e da Ideia, é um grande acto de benemerência, e que, pelos seus largos e fecundos resultados, há-de ligar perduravelmente os nomes Lello & Irmão ao reconhecimento nacional».



A história da livraria Lello remonta a 1869, ano em que é fundada na Rua dos Clérigos a Livraria Internacional de Ernesto Chardron. Após o imprevisto falecimento de Chardron, aos 45 anos de idade, a casa editora foi vendida à firma Lugan & Genelioux Sucessores. Em 1894 Mathieux Lugan vendia a Livraria Chardron a José Pinto de Sousa Lello que possuía então uma livraria na Rua do Almada. Associado ao irmão, António Lello, mantêm a Livraria Chardron, com a razão social de José Pinto de Sousa Lello & Irmão, até 1919, ano em que o nome da sociedade muda para Lello & Irmão Lda.



Este verdadeiro ex-líbris da cidade atravessou o século XX, geração após geração, nas mãos da mesma família. Em 1995, José Manuel Lello decide realizar uma profunda transformação no interior da livraria, cuja herança, segundo as suas palavras, lhe «trazia não só um passado de ricas tradições mas também a exigência de fazer perdurar esse ideal de amor pelos livros, que se traduziu na edificação de uma obra arquitectónica única no mundo». O trabalho de restauro e de adaptação às actuais formas de uso foi entregue ao arquitecto Vasco Morais Soares.



Entrando hoje no interior da livraria, o visitante sente-se envolvido por um ambiente acolhedor, onde pontificam os livros e uma decoração impressiva. Uma vasta sala, com uma galeria que dá acesso a um escada ornamental, onde correm algumas mesas que servem para exposição dos livros. Bancos em madeira e revestidos a couro e estantes a toda a altura desta sala perfazem o espaço interior próprio de uma livraria actual, mas que guarda a memória do passado. Nos pilares, à esquerda e à direita, distinguem-se os bustos de distintos homens de letras: Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, Antero de Quental, Tomás Ribeiro, Teófilo Braga e Guerra Junqueiro. O tecto, lavrado, resguarda no centro uma luminosidade diáfana que provém do amplo vitral em que se desenha o ex-libris de Lello & Irmão, Lda, com a conhecida divisa, «Decus in Labore».




Como escreveu um afamado jornalista do princípio do século, «a riqueza de tons do grande vitral, o recorte gracioso das janelas, a balaustrada da galeria e os grandes candelabros situados nos ângulos que demarcam esse espaço, as lindas ogivas que se entrelaçam no tecto sob os florões e que vêm morrer nas nervuras que correm pelos pilares até às mísulas, deixam o visitante deslumbrado».



A mesma admiração suscita a fachada em estilo neogótico, formada por um amplo arco abatido, cuja entrada se divide numa porta central, ladeada por duas montras.



Sobre este arco há uma janela tripla, fechada na platibanda e separada das pilastras, as quais são encimadas por coruchéus originais. Dos lados da janela, destacam-se duas figuras pintadas, da autoria de José Bielman, simbolizando uma a Arte e a outra a Ciência.



O resto da fachada completa-se com ornamentação fitográfica e com o nome da livraria. De realçar o rendilhado que encima o edifício, todo ele um monumento artístico que já mereceu classificação de património nacional.

Adaptação livre de um texto da livraria Lello & Irmão

30 novembro 2005

Todo o esplendor do Outono...







...no jardim da rotunda da Boavista.

Ainda as Vozes do Mar

Tanto quanto me apercebi, pela leitura dos comentários, das fotografias publicadas nas entradas abaixo, a mais apreciada foi a do Farolim de Felgueiras. Talvez porque, como comentou Funes , «Não há no Porto portuense nenhum que não saiba que nesta foto está a nossa essência de portuenses. De portugueses», referindo-se, quanto a mim, ao local, que está na retina de todos os portuenses, à neblina do litoral nortenho e à nossa condição de país atlântico.

A segunda foto não se sustentaria sozinha por falta de rigor técnico - por isso está no meio - mas foi assim que eu a quis, mar e céu apenas, vistos de frente, olhos nos olhos como quem conversa, a condizer com o poema. Está lá também aquele desfalecimento da luz, que Florbela Espanca designa como delíquio, termo que eu desconhecia.

A terceira foto é a minha preferida. Nela consigo ver «o céu pesado e nevoento», ouvir «a trágica voz rouca» do mar e sentir o vento «a passar como o voo de um pensamento», como refere o poeta. Há também ali algo de inefável que me remete para a pintura naturalista da segunda metade do século XIX.
Pretensiosismo da minha parte? Não, é apenas o gosto profundo pelas imagens.

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Sem tempo e com a motivação esmorecida, A Cidade Surpreendente esteve suspensa durante nove dias. Para que haja alguma regularidade nas actualizações do blogue, elas surgirão apenas uma vez por semana, às Quartas-Feiras.
Palavra de blogger!

21 novembro 2005

Vozes do Mar - 3



Fundo do Mar

No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.

Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
Uma flor dança,
Sem ruído vibram os espaços.

Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.

Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.

Sophia de Mello Breyner Andresen

18 novembro 2005

Vozes do Mar - 2



Vozes do Mar

Quando o sol vai caindo sobre as águas
Num nervoso delíquio d'oiro intenso,
Donde vem essa voz cheia de mágoas
Com que falas à terra, ó mar imenso?...

Tu falas de festins, e cavalgadas
De cavaleiros errantes ao luar?
Falas de caravelas encantadas
Que dormem em teu seio a soluçar?

Tens cantos d'epopeias? Tens anseios
D'amarguras? Tu tens também receios,
Ó mar cheio de esperança e majestade?!

Donde vem essa voz, ó mar amigo?...
... Talvez a voz do Portugal antigo,
Chamando por Camões numa saudade!

Florbela Espanca

17 novembro 2005

Vozes do Mar - 1

Vozes do Mar é o título de um poema de Florbela Espanca, que escolhi para epígrafe de três ilustrações de poemas sobre o mar. As imagens foram colhidas na frente marítima do Porto.




Oceano Nox

Junto do mar, que erguia gravemente
A trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o voo dum pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das coisas, vagamente...

Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que ideia gravitais?

Mas na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais...

Antero de Quental

Poesia Completa, 1842-1891
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2001

14 novembro 2005

«Viva o Porto Oriental»



Motivado pelo entusiástico comentário que um visitante anónimo deixou na entrada anterior, não resisti a deixar aqui três pormenores de três edifícios distintos...




...situados num conjunto que, num blogue lamentavelmente adormecido, foi classificado como « provavelmente, o mais belo esboço urbano do Porto».



Conjunto que, como ali é afirmado, «encerra em si, ainda hoje, um encantamento inultrapassável». Trata-se do espaço urbano compreendido entre as ruas que divergem a partir do Largo Soares dos Reis, em direcção ao Campo 24 de Agosto, ao Jardim de São Lázaro e à Praça da Alegria.

08 novembro 2005

Uma nova centralidade



Com esta entrada não pretendo celebrar nenhuma das modernidades tão apregoadas nos discursos vazios de conteúdo que vamos ouvindo no dia a dia, mas a verdade é que na parte oriental do Porto, votada ao abandono durante décadas a fio como se não pertencesse à cidade, há algo que, bem ou mal, está a mudar.



No final dos anos 90 foram pensadas para aquela zona três grandes intervenções, com os objectivos do ordenamento urbanístico e da criação de novas acessibilidades: a abertura da Avenida 25 de Abril e a construção de um viaduto sobre a VCI, a ligar a Praça das Flores à Corujeira; a criação de duas alamedas, a de Cartes e a de Azevedo, a partir do nó do Mercado Abastecedor; e a intervenção mais ambiciosa, a do Plano de Pormenor das Antas com o propósito de criar uma nova cidade com funções variadas.





Para aqui previram-se, três mil fogos, dois hotéis, um estádio de futebol, um pavilhão multiusos, um centro comercial, equipamentos de saúde e de ensino, um parque urbano com dez hectares, estacionamento para três mil viaturas e um interface para o metro.



Como as imagens documentam, parte do Plano de Pormenor das Antas está construído mas, a avaliar pelo falta de actualização desde 2002 do sítio da Apor - a Agência para a Modernização do Porto que promoveu estas e outras intervenções -, o equipamento de saúde, o de ensino e o tal parque urbano ficaram pelo caminho, confirmando o imobilismo camarário instalado há quatro anos na cidade.