24 janeiro 2005

Passeio Alegre



Passeio Alegre

Chegaram tarde à minha vida
as palmeiras. Em Marraquexe vi uma
que Ulisses teria comparado
a Nausica, mas só
no jardim do Passeio Alegre
comecei a amá-las. São altas
como os marinheiros de Homero.
Diante do mar desafiam os ventos
vindos do norte e do sul,
do leste e do oeste,
para as dobrar pela cintura.
Invulneráveis - assim nuas.

Eugénio de Andrade

21 janeiro 2005

Abraçada à noite,
a névoa desce sobre a terra



Névoa

A Albano Nogueira


Abraçada à noite,
a névoa desce sobre a terra.

Imprecisamente,
como se a névoa fosse dos meus olhos,
vejo o casario e as luzes do outro lado do rio.
Mais à direita, ao longe,
são já da névoa a praia, o mar.
Ouve-se apenas o ronco do farol
- um som molhado.
Para o lado dos pinhais,
anda a bruma a fazer medo
e a pôr mais pressa nos passos de quem foge.

Não há luar, não há estrelas.
De novo olho par o rio.
Não sei se o vejo:
anda a névoa, já, com ele,
e os meus olhos não dizem o que é bruma, o que é rio.
E ela não pára,
avança ao meu encontro.

Cerca-me.
E eu tenho, só,
orvalho nas árvores do jardim,
gotas de água que se partem na alameda,
o ar húmido que me trespassa,
o molhado ronco do farol,
os cabelos encharcados
e pensamentos de névoa.

Alberto de Serpa

20 janeiro 2005

Portugal sem Rumo



Eis uma dissonância no curto percurso deste blogue, bem real e nada surpreendente.
Não está em causa o mérito ou o demérito do político que dá a cara ao cartaz, mas sim o que a imagem representa: a irresponsabilidade, o oportunismo - os cartazes por terra só se vêem das janelas circundantes - e o desleixo reinantes.
Estão ali sintetizados todos os problemas que nos assolam: o analfabetismo e a iliteracia, a falência das sucessivas reformas do ensino, os altos índices de sinistralidade rodoviária, a ostentação de braço dado com a corrupção, a inoperância da justiça, o despesismo estatal e até o défice controlado com malabarismos financeiros. Ah, está lá também a ingovernabilidade à espreita. Tudo, tudo varrido para debaixo do tapete.

10 janeiro 2005

Graciosidade Forjada



A graciosidade de um elemento decorativo em ferro forjado sobrevive, com a morte anunciada, à demolição do edifício que durante dezenas de anos alojou a Sociedade de Transportes Colectivos do Porto, na Boavista.
A atestar a importância que o ofício de ferreiro teve na cidade, diz-nos Magalhães Basto que aqui houve «duas ruas que se chamaram Ferrarias: a Ferraria de Baixo, (actual do Comércio do Porto) e a Ferraria de Cima (que era a continuação da do Souto e hoje se chama... dos Caldeireiros)».
Quem tiver tempo e olhar atento, poderá observar no Porto um autêntico museu vivo do ferro forjado, patente nos inúmeros trabalhos de ferreiro que vão subsistindo em grades de sacadas, peitoris, portões e varandas rendilhadas, um pouco por todo o lado.