15 fevereiro 2006

Da Urbe e do Burgo - III

«No velho mundo, será difícil encontrar uma urbe tão singular, no ponto de vista somático como anímico. Sem risco de exagero, pode reputar-se uma das mais típicas, não diremos só da Ibéria, mas da Europa». A afirmação, que ilustra o apego que Sant'Anna Dionísio tinha pelo Porto, está patente no prefácio de Da Urbe e do Burgo.



Este afecto terá levado o autor, homem cosmopolita, a criticar o imobilismo então reinante, e a avançar com sugestões concretas para o progresso da cidade. Uma das suas propostas, a união dos concelhos à volta do Porto num único município, revelou-se premonitória, estando hoje na ordem do dia da actualidade política.



Outra, que o autor já havia explanado no volume IV do Guia de Portugal, da Gulbenkian, revestia-se de um certo carácter desenvolvimentista, próprio da época em que um Plano Director - o de Robert Auzelle, de 1962 - propôs a demolição de uma boa parte do centro histórico do Porto. Sant'Anna Dionísio não iria tão longe, mas a sua proposta de «construção de um viaduto, em granito, de seis ou sete tramos, e de quinze a vinte metros de largura de tabuleiro, que se lançasse entre o Largo da Cividade (ou da Sé) e o terreiro da Relação», não deixaria de ser considerada hoje, no mínimo, como insensata.

A ideia, no entanto, era tão cara ao pensador e cronista, que chegou a levá-la ao conhecimento do Presidente do Município, esperando que pudesse merecer-lhe algum estudo. Respondeu-lhe um «subordinado do Magistrado Supremo da Edilidade» que, num «breve bilhete-ofício», fez saber que a obra não teria qualquer «viabilidade de execução, pois o seu custo absorveria, por si só, uma verba aproximadamente equivalente ao orçamento total do Município».

O conceito do viaduto não seria, contudo, abandonado pelo escritor, que o fez ressurgir na capa do livro onde reúne cinquenta e uma crónicas por si escritas para o Primeiro de Janeiro, nos anos sessenta, através de uma ilustração de outro portuense ilustre, o pintor Carlos Carneiro, filho de António Carneiro cuja Casa-Oficina vale a pena visitar.

16 comentários:

CARMO disse...

Se não fosse o Carlos Romão nunca me deliciaria com estes pormenores da história de uma cidade que tanto aprecio. Obrigado!

Teófilo M. disse...

Caro Romão,

parabéns pela nova estrutura que enriquece muito o blog e quem o lê.

Estás no bom caminho.

Um abraço portuense

António Conceição disse...

Acho que era Henri Cartier-Bresson que dizia que, quando não havia luz, não se fotografava. É claro que o mestre frnacês nunca visitou a "Cidade Surpreendente".

António Conceição disse...

"francês" e não "frnacês", no comentário anterior.

isabel mendes ferreira disse...

.....et voilá.....o grande Carlos....de novo. sempre. magnifico.

e eu a repetir-me....:)


beijos.

Fernando Rola disse...

Triste sina a do Porto do séc. XX: quem algo quer fazer pela cidade (bem ou mal) pouco ou nada faz, porque, invariavelmente, esbarra na parede do imobilismo. Pode ser que consigamos mudar as coisas neste novo século...
Para si, Carlos, o elogio justo pelo bom texto e a qualidade de sempre nas fotos.
Abraço

rps disse...

A ideia que eu tenho é que o Plano Auzelle era um "plano maluco". Demasiado radical. E a ideia do viaduto não sei se era boa. Em todo o caso, sempre foi complciado fazer obras na nossa cidade...

Unknown disse...

Carlos, obrigado por me manteres actualizado em certos pormenores :) É sempre um momento feliz passar por aqui :)

Abraço

Freddy disse...

Conheci mto bem essa oficina q falas pois a nora dele, uma sra americana amiga da minha avó levava-nos mtas vezes lá para tomar chá e jogar cartas... E aquele mundo era irreal de delicioso...

Paulo Jorge Ribeiro disse...

Bom blog e... um livro da minha idade!

Fotografo disse...

Fantastico, so fui uma vez ao Porto de passagem e agora fiquei com muita vontade de visitar,muito bom mesmo, boas fotos e bons textos, eu tou a começar na area da fotografia se quiser pode aparecer em www.photovendasnovas.blogspot.com e deixar uma opinião...

Abraço e Parabens

Pedro disse...

Caríssimo Carlos Romão

Nem a veleidade tenho de o felicitar, pois seria inútil, pois o trabalho patente neste blog fala por si. Pois este espaço, que é uma das minhas visitas obrigatórias, leva-me ao deleite e à reflexão.
Ainda bem que a proposta de Santana Dionísio foi rejeitada, pois parte dela iria assassinar ainda mais a magia da nossa cidade, trabalho que parcialmente foi executado com a demolição - quase contemporânea a esse autor - do Palácio de Cristal. Por outro lado acho que aquilo que se diz estar em discussão na actualidade da vida política do burgo penso ser uma utopia, não por ser prejudicial à cidade mas sim a diversos interesses instalados, quer os locais quer os da macrocéfala capital.

Um grande abraço
Pedro félix
pfelix@tvtel.pt

Lord of Erewhon disse...

Man, por mais que só encontre mérito no que fazes... tenho que concluir que és um gajo perigoso... qualquer dia ainda me fotografas a chupar o sangue a alguma lolita... Já tou a ver a bimbalhada: VAMPIRO ATACA NA INVICTA!... e depois lixas-me! Lá vêm os archotes, as forquilhas e o palito gigante direito ao coração da alimária semi-humana! JAJAJAJA!!!
P. S. Olha aí à esquerda Dos Clérigos... tou lá eu em cima dos telhados... agachado, claro!:)=

Lord of Erewhon disse...

(Biba o binho, carago!!).

FPM disse...

Ouvi falar de outros projectos radicais, se não me engano dos jovens arquitectos que vieram a celebrizar a denominada escola do porto e a "casa portuguesa" - uma avenida ali entra a rua escura e a mouzinho da silveira, não era?
o que me parece mais revelador é que a ideia da união de cidades já ande por aí há mais trinta anos e ninguém tenha feito nada nesse sentido.

A Minha Sombra disse...

Que imagem fabulosa :)