17 outubro 2014

A Menina Nua

A necessidade de qualificar o espaço aberto pela então Avenida das Nações Aliadas, levou a Câmara do Porto a abrir concurso, em 1929, para aquisição de um motivo decorativo a colocar naquela artéria. Das três obras a concurso emergiu a de Henrique Moreira, de cujas mãos saiu a bela figura feminina.

O autor baptizou-a como A Juventude, mas a cidade, que depressa a adoptou, mudou-lhe o nome para Menina Nua.

Sentada numa fonte prismática, decorada com quatro carrancas, a mulher sorridente e quase infantil, com a cabeça reclinada, é o retrato de uma jovem que também serviu de modelo a Dordio Gomes, Sousa Caldas, Teixeira Lopes, Camarinha e outros.

Aurélia Magalhães Monteiro, a Lela, viria a falecer no Porto, com direito a notícia na imprensa, em 1992, imortalizada no monumento art-déco que passados 85 anos continua a alegrar os nossos dias na parte central da Avenida dos Aliados.


30 setembro 2014

Casa-Museu Abel Salazar mostra obras do homem da ciência e das artes

Alterações introduzidas na página do Porto24, o único jornal na rede dedicado exclusivamente à região do Porto, deixaram indisponíveis as fotografias que ilustravam uma reportagem feita na Casa-Museu Abel Salazar. É natural que assim tenha acontecido; recuperar na totalidade milhares de artigos publicados ao longo de anos, constituiria uma tarefa de grande fôlego. Para colmatar essa lacuna faz-se renascer aqui a reportagem produzida em Julho de 2013. O texto é de Ana Isabel Pereira.

O museu da Universidade do Porto, em S. Mamede de Infesta, tem quase 40 anos e «esconde» desenhos, pinturas, textos, cobres martelados, gravuras e caricaturas de Abel Salazar.

Fica em S. Mamede de Infesta e recebe cerca de três mil visitantes por ano. Nasceu pouco depois do 25 de Abril de 1974, mas muito pouca gente sabe o que é, onde fica ou o que faz.
Situada em Matosinhos, a Casa-Museu Abel Salazar é gerida pela Universidade do Porto e 60% dos seus visitantes são público escolar. As escolas já chegaram a representar 80%, mas a crise também atingiu os estabelecimentos de ensino e a falta de transportes para a zona, onde o cientista e artista plástico português viveu cerca de trinta anos, são quase inexistentes.

«Há pouquíssimos transportes para aqui. Há um autocarro que vem do centro do Porto e outro do aeroporto. Os professores ou arranjam camionetas para trazer as escolas ou é muito difícil cá chegar», explicou ao P24 Luísa Garcia Fernandes, a directora do museu criado pela Fundação Calouste Gulbenkian e inaugurado em 1975.

Abel Salazar (1889-1946) «foi cientista, escritor – escreveu na imprensa toda da época, regional e nacional - e artista plástico. Na arte, também foi um experimentalista. Pintou, fez cobres martelados, gravura e caricatura», começa por explicar Luísa, que está na casa-museu desde o início dos anos 90.

A casa, que «até aos anos sessenta foi mantida pelos amigos» de Abel Salazar e onde «a mulher ainda viveu vinte anos», «esconde» essas obras. «Temos um espólio muito grande, mais ou menos um terço do espólio que está espalhado pelo país», sublinha Luísa Fernandes.
«A parte de cima da casa estava reabilitada e os amigos abriam-na ao domingo. A certa altura, propuseram à Gulbenkian comprar esta casa e a Gulbenkian comprou. Todo o percurso museológico que vêem aqui é da responsabilidade da Gulbenkian», contou ao P24 Luísa Fernandes, acrescentando que, «depois do 25 de Abril», a fundação «ofereceu património» e doou a casa-museu de Abel Salazar à UP. «Na altura, o director da casa-museu era o reitor da UP, Ruy Luís Gomes», recorda a responsável.

Do desenho à escultura

No rés-do-chão da casa, onde noutros tempos funcionaram a cozinha e a sala e havia uma capela, estão expostos vários desenhos de «um desenhador compulsivo» – «Temos muitas obras de reserva. Temos mil e tal desenhos e só temos estes expostos», confidencia ao P24 Luísa Fernandes – e esculturas e é possível ver os cobres que o homem da Ciência e das Artes trabalhava à mão.

«Isto é lindíssimo e também há muitas peças no património privado, que ele vendia muito». Pela casa estão espalhados cinzeiros – Abel Salazar, que morreu em Lisboa, vítima de cancro do pulmão, «era um fumador compulsivo» –, jarras e tampos de mesas de apoios feitos segundo esta técnica.

«A escultura feminina é de pequenas dimensões e muito elegante», observa Luísa Fernandes, mas entre os bustos que Abel Salazar esculpiu, há dois de mulheres: «a irmã e a sobrinha da sua assistente Adelaide Estrada, a quem Abel Salazar deu explicações e escrevia cartas pictográficas onde descrevia os fins-de-semana com os amigos quando ia para fora».

A jovem com quem Abel Salazar então se correspondia ainda é viva e tem na sua posse dezenas de «cartas charadas». «Ela deixou-nos fotografar algumas, há uns anos, e até fizemos um filme com essas imagens que ainda está em VHS».
No segundo andar da casa-museu, é um possível ver uma dessas cartas, juntamente com algumas caricaturas, «de professores e colegas» de Abel Salazar à época, gravuras e as prensas do artista e o espólio científico. É também nesta zona da casa que fica o quarto de dormir Abel Salazar – a mobília, aqui como nas restantes divisões da casa, é a original.

A mulher trabalhadora e a burguesa

O primeiro piso é dedicado à pintura. Há obras que mostram o Minho – Abel Salazar «era de Guimarães a família tinha uma quinta em Baltar», explica a directora da casa-museu – e uma série de pinturas sobre «a mulher trabalhadora». «Era um tema importante na pintura dele. Ele representava sobretudo mulheres. Quando pintou homens eram pessoas que ele admirava».

São cenas do desaparecido Mercado Anjo, no Porto, as leiteiras, «as carrejonas que andavam com a lenha», as tanoeiras. «Era diferente da pintura naturalista da época», sublinha a estudiosa da obra e do homem.
«Diziam que ele foi percursor do neo-realismo por causa destes trabalhos, mas ele é anterior. E aqui também vemos uma mulher com corpo generoso, não se vê aqui sofrimento».

O desenho das carvoeiras é o estudo que Abel Salazar fez para o mural do antigo café Rialto, hoje sucursal do Millenium BCP, na Praça D. João I. No Porto, há outra instituição que preserva um mural do pintor: na Casa de Saúde da Boavista há «um painel de sete por cinco metros, que parece um desenho japonês» e que foi feito «a pedido de um colega médico».
Na sala de estar, é possível ver retratos do avô de Artur Santos Silva, de Henrique Pousão e António Luís Gomes, pai do antigo reitor da UP, Ruy Luís Gomes, e «a mulher burguesa, a portuguesa, a francesa e a alemã».
«A francesa é a que vai ver mais, era a mais coquete e extravagante a vestir”, diz Luísa, apontando para o retrato de uma caixeira das Galerias Lafayette. Abel Salazar retratava figuras como esta nas suas viagens em prol da Ciência. «Falava correctamente francês, a linguagem científica da época, e por essa razão acabava por representar muitas vezes os colegas nos congressos internacionais», explica a directora da casa-museu.

Reformado compulsivamente

Para além de mostrar a arte e a ciência – a obra científica de Abel Salazar está pouco explorada, confessa Luísa Fernandes –, a casa-museu, que tem apenas três funcionários e um guarda, testemunha o processo de afastamento compulsivo do professor da UP.

Abel Salazar, que «era de uma família com brasão, mas não ligava nada a isso», foi reformado compulsivamente, em 1935, porque tinha um método de ensino muito avançado para a época. Ele já abria as salas até mais tarde, por exemplo. E, na altura, o ensino era um ensino de sebenta», explica a directora do museu, ressalvando que o cientista «não era muito envolvido em política partidária». «Nunca foi».
Enquanto esteve afastado, Abel Salazar «não teve autorização para sair do país ou frequentar a biblioteca da UP». Em 1941, o fundador do Instituto de Histologia e Embriologia, que deixara a Faculdade de Medicina, voltou à UP, mas ao curso de Farmácia.
A casa-museu tem ainda um pavilhão no exterior que recebe lançamentos de livros, exposições temporárias – até 30 de Agosto, está patente neste espaço uma mostra de fotografia de Maurício Penha que assinala o centenário do seu nascimento –, workshops para os mais novos – até ao final de Julho, por exemplo, recebe o programa Universidade Júnior – e actividades promovidas pelos sócios.

Morte chocou a cidade

Na capela da casa, é possível ver em tamanho grande uma imagem do funeral de Abel Salazar, um acontecimento «muito chocante na cidade do Porto». O cientista «sabia que estava doente e foi morrer a casa da irmã», em Lisboa.

Quando sucumbiu ao cancro, «os amigos decidiram que o corpo viria para a Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, mas a PIDE pegou no corpo e levou-o para o Prado do Repouso». Sem o corpo do amigo, o grupo manteve o funeral na associação, tendo seguido depois até ao Prado do Repouso. Pelo caminho, «havia populares que se iam juntando ao cortejo fúnebre. Quando chegaram ao cemitério, era um mar de gente. E a irmã pôde pôr os amigos a fazer o elogio fúnebre», recorda Luísa Garcia Fernandes.

26 setembro 2014

Ponte de S. João

Um comboio urbano, que faz ligações do Porto até Aveiro, e o Alfa, que liga Braga a Lisboa, atravessam a ponte na direcção sul.

22 setembro 2014

16 setembro 2014

Uma manhã no museu de Serralves

O museu, obras da colecção Serralves e retratos do pintor sírio Mohamed Marouan Kassab-Bachi (1934), conhecido por Marwan.

Óleo sobre tela, de Paula Rego. Colecção Serralves.

O poeta iraquiano Badr Shakir al-Sayyab (1926–1964), retratado por Marwan (pormenor).

Retratos, 1962-1972. Marwan.

Albuquerque Mendes, acrílico e colagem sobre tela, 1998. Colecção Serralves.

O Pássaro Azul, de Paulina Olowska (1976), guache sobre tela de grandes dimensões, 2013. Baseado na encenação da peça de teatro homónima. Coleccção Serralves.

12 setembro 2014

Olhar o nascente...

... e o poente, nos jardins do Palácio de Cristal. (prima para ver maior)

07 setembro 2014

O Douro dos rabelos que acabou há meio século

«Na sua era de glória, nos séculos XVIII e XIX, chegou a haver 2500 rabelos a cruzar o Douro. Em 1941 ainda estavam registadas 231 embarcações. Entre as diferentes eras da vida prática destes barcos alimentou-se e transmitiu-se um saber sobre os humores do rio que jamais descurou o perigo do naufrágio e da morte. Não há registo detalhado do número de vítimas desta epopeia que exigia uma viagem de três dias para descer o rio e, no mínimo, uma semana para vencer um desnível de 40 metros até Barqueiros (125 entre a foz e Barca de Alva) no regresso ao Alto Douro.»

A ler aqui.

02 setembro 2014

25 agosto 2014

Dias de bruma #4

O marégrafo (prima para ver maior)

23 agosto 2014

O Grande Desfiladeiro

(Texto de um velho e venerando Mestre)

«O rio Douro é, seguramente, o rio mais impressivo e rico de grandiosas perspectivas do velho mundo. No entanto -, apesar de tudo quanto tem sido escrito e publicado, desenhado e divulgado -, parece não ter tido ainda a fortuna de encontrar um verdadeiro escritor ou pintor que eternize a sua estranha e tácita beleza.

Junqueiro, que tantos anos viveu junto deste vale, que o percorreu dezenas e dezenas de vezes, que calcorreou os seus pendores -, não o viu. Antero, cremos que nunca o avistou senão junto do Porto. António Nobre apenas o contemplou da Foz. Raul Brandão só lhe viu a grandeza nos dias de temporal, do alto da Cantareira, sonhando no Avô, alto e louro como ele, desaparecido no mar. Pascoais apenas conheceu, pode dizer-se, o seu último filho: o Tâmega. Camões jamais o avistou. Eça, olhou-o com os olhos de Jacinto.

Em resumo: nenhum escritor ou poeta português teve a fortuna de abrir decididamente os olhos para a pujança, a austeridade, a força telúrica, deste estranho desfiladeiro aberto por esta serpente milenária vinda dos Montes Ibéricos!»

Sant'Anna Dionísio


21 agosto 2014

Peso da Régua


Vista panorâmica da marginal e o Museu do Douro. (Prima para ver maior)

19 agosto 2014

Vinha nova

Cumeeira, Douro.

05 agosto 2014

Homenagem à vida de uma árvore

O cenário é o do verdejante Jardim das Virtudes, num vale encaixado na encosta do Douro por onde correu outrora livremente o rio Frio. Num socalco está um Ginkgo com mais de duzentos anos e trinta e cinco metros de altura, a maior árvore desta espécie existente em Portugal e uma das maiores da Europa. Desfrutando da atmosfera fresca que emana da copa da rainha das Virtudes estão os convidados, sentados de frente para a pequena assistência que se mobiliza para estas questões: Teresa Andresen, arquitecta paisagista e engenheira agrónoma, Isabel Lufinha, da Câmara Municipal do Porto, e o escritor Mário Cláudio.

O evento, denominado Um Objecto e Seus Discursos, tem convidado os portuenses a conhecer os espaços e os tesouros da cidade contados por quem faz as suas histórias. O objecto, neste caso, é um ser vivo de quem Teresa Andersen fala com paixão, ao ponto de elevar a cabeça para a árvore e perguntar-lhe: «Ó Ginkgo, assististe ao Cerco do Porto? Visto o D. Pedro - o meu herói?». E discorre sobre o formato das folhas, parecidas com as das avencas, a resistência da homenageada, de que há registos de indivíduos com milhares de anos e de ter sobrevivido ao bombardeamento de Hiroshima, notando que aquele exemplar, nascido num socalco estreito, deverá ter as raízes penetrando profundamente nas fendas do granito do vale, onde vai buscar alimento. «As árvores no Porto são maiores do que em Lisboa», acrescenta. «Fiquei admirada quando aqui cheguei e verifiquei que também cresciam mais rapidamente».

Mário Cláudio abordou a história do lugar. Lendo excertos do seu romance A Quinta das Virtudes recordou a origem da casa e os seus jardineiros, Pedro Marques Rodrigues, o fundador do horto nos anos quarenta do século XIX, e José Marques Loureiro (1830-1898), que o guindou à liderança dos hortos nacionais e até peninsulares. Por fim, afirmou que deveríamos guardar uma recordação material destes seres notáveis quando morrem, lembrando o jacarandá do Largo do Viriato, «a última árvore que Eugénio de Andrade viu florir, a partir de uma janela do Hospital de Santo António», lamentando que dela não exista nenhuma memória palpável.

No Porto não há muitos indivíduos desta espécie ornamental mas, mesmo assim, há poucos anos foram plantados alguns exemplares nas ruas Cândido dos Reis, Galeria de Paris e Santa Teresa, e na parte nascente da Avenida da Boavista, diante do Hospital Militar, que dão cor à ruas da cidade quando no Outono se vestem de amarelo. Existe ainda um jovem Ginkgo solitário na rua da Alfândega, em frente à Igreja de S. Francisco.

23 julho 2014

Novo Bolhão vai ser o grande mercado de frescos da cidade

«O grande mercado de frescos do novo Bolhão vai ficar no piso térreo, ou terrado. No piso superior ficam instalados os restaurantes, o que levanta uma questão de higiene pública (por causa dos pombos e das gaivotas) e que deverá levar à colocação de uma cobertura. Esta é uma questão antiga. A cobertura, que nunca existiu, está no projecto original. Acontece que nessa proposta original a estrutura pesava 250 toneladas e como o Mercado está construído sobre terrenos pantanosos, ninguém arriscou, essa instabilidade do solo impediu que ela fosse erguida (...)»
A ler aqui.

15 julho 2014

O Porto poderia ser uma cidade de Thomas Mann

Um texto de José Pacheco Pereira

«O Porto é uma cidade muito diferente de Lisboa, é diferente crescer e viver no Porto ou em Lisboa. As pessoas em Lisboa não têm consciência disso, as do Porto admito que tenham outro tipo de consciência. Poderia ter sido uma cidade do Thomas Mann, muito parecida com as cidades hanseáticas, como Lübeck, onde ele viveu. É uma cidade burguesa no verdadeiro sentido do termo. Tem valores muito parecidos com as cidades do Norte, onde os comerciantes eram liberais e se interessavam pela cultura.
Sempre foi um mundo que valorizou o trabalho de uma forma diferente do que acontecia em Lisboa. Era a cidade das grandes fábricas. As grandes fábricas têxteis estavam no Norte, deram o nome a clubes de futebol – Paranhos, Boavista. Falo de fábricas com milhares de trabalhadores, típicas do período de crescimento da Revolução Industrial.

O Porto é uma cidade do trabalho, quer nas antigas corporações quer nas antigas tradições, ainda muito marcadas pelos nomes nas ruas. Muitas igrejas, muitas instituições têm a marca do trabalho corporativo, mas a cidade também teve esse papel. O Ramalho Ortigão escreveu que no Porto não se conseguia andar meia dúzia de metros sem encontrar uma tabuleta de uma associação mutualista. Na própria conjugação do movimento operário, é uma cidade muito mais socialista do que anarquista, enquanto em Lisboa havia uma tradição forte de anarcossindicalismo. Acima de tudo, tem uma burguesia liberal que esteve no cerne de todo o processo do liberalismo novecentista. Não foi por acaso que D. Pedro deixou lá o coração.

Quem conheça a História do Porto sabe que é uma cidade que resistiu violentamente ao Estado Novo, como os grandes combates de 1927. Foram no Porto os grandes comícios da oposição: o comício do Norton de Matos [janeiro de 1949] e a receção ao Humberto Delgado [maio de 1958] que é gigantesca, a cidade sai à rua. Não há paralelo, esse comício mudou toda a história da campanha do Delgado, mudou toda a história política a partir de 1958.

É uma cidade com as suas instituições, os seus clubes, o Ateneu, um certo tipo de tradições culturais de uma elite fabril, industrial e ligada à imprensa – O Primeiro de Janeiro e O Comércio do Porto têm essa origem. Muito da vida da cidade faz-se de cima para baixo e de baixo para cima. Isso leva a que o Porto tenha uma respiração de liberdade que não veio com o telégrafo nem veio de França. Ainda hoje, é a cidade que tem o trabalho e o sacrifício pelo País no nome e no símbolo de tripeiro, e que se reconhece nesses valores.

Durante o salazarismo, muitas instituições universitárias do Porto fecharam e as que sobreviveram tiveram uma vida muito difícil. Mas havia escolas com uma grande repercussão nacional – Engenharia, Medicina, Ciências, Arquitetura, Belas-Artes. No Porto estão alguns dos primeiros edifícios de arquitetura moderna, muitas vezes feitos por pessoas que ganhavam dinheiro na indústria e que eram mecenas de artistas. Nos anos 1920, construíram-se cópias da arquitetura social de Viena. Junto da casa do Eugénio de Andrade, quando ele morava no 111 da rua Duque de Loulé *, havia um grande bairro feito a partir das ideias da arquitetura socialista, uma espécie de falanstério. E havia vários desses.

E depois havia as “ilhas”, outra realidade muito associada à industrialização rápida, aí sim, mais pobres. Eram uma solução de emergência, especulativa, em relação à pressão industrial, para albergar um número muito significativo de operários que vinham das zonas rurais do interior. Algumas epidemias de cólera e de tifo tiveram aí o seu desenvolvimento e o salazarismo viu-se na necessidade de criar os bairros sociais que reproduzem o fenómeno das “ilhas” para os dias de hoje.

O Porto é uma cidade liberal mas não jacobina. Lisboa é mais jacobina do que liberal, na sua história política e social. Eu nunca deixei o Porto. Havia umas personagens do teatro japonês que andavam sem nunca levantar os pés porque se o fizessem era sinal de que perdiam o contacto. E eu também: os meus pés estão lá sempre, sempre em cima daquela terra, é lá que me sinto bem.»

Publicado na revista Ler de Julho/Agosto de 2013

* Eugénio de Andrade morou no 111 mas da Rua Duque de Palmela.