23 abril 2010

A fisionomia de Nicolau Nasoni



Há um retrato a óleo na entrada da torre dos Clérigos que nos é apresentado como sendo de Nicolau Nasoni, o arquitecto toscano que veio de Malta para o Porto em 1725, com o encargo de pintar o interior da Sé do Porto e por cá ficou, marcando de forma singular, com a sua arte, a fisionomia da cidade.

Sabe-se muito sobre ele, com quem casou, quantos filhos teve, onde viveu e trabalhou. Também se sabe que não se fez cobrar pelo projecto da igreja e da torre prodigiosa, e que acompanhou a sua construção, dedicadamente, ao longo de décadas, tendo como contrapartida, apenas, a entrada para a Irmandade dos Clérigos Pobres.
Morreu sem haveres no ano de 1773. Sabe-se também que, a seu pedido, está sepultado na igreja dos Clérigos, mas é corrente não saber-se onde, apesar de um autor afirmar estar o túmulo de Nasoni na pequena cripta da igreja, junto de outro onde repousa um cardeal.

Quanto à fisionomia do arquitecto também persiste a incógnita. Se, para alguns autores, o quadro que revelaria Nasoni terá desaparecido, para outros a figura ali representada não é a dele por exibir anacronismos no vestuário. Para outros ainda, trata-se sim de Nicolau Nasoni, mas num retrato póstumo.

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ADENDA
23Março2018

Sobre o quadro acima, o historiador Francisco Queiroz publicou no Facebook o seguinte texto:

O falso Nasoni

A Internet tem destas coisas: facilita a pesquisa histórica, colocando ao dispor de todos cada vez mais fontes e bibliografia, mas também induz o facilitismo e dissemina de modo descontrolado os resultados desse mesmo facilitismo, eternizando erros.

Vem isto a propósito do retrato a óleo que alguém um dia viu no edifício da Irmandade dos Clérigos e, sem qualquer fundamento e sem ter sequer em consideração que representa claramente um burguês do segundo quartel de Oitocentos, supôs que representasse a efígie do célebre arquitecto setecentista Nicolau Nasoni. Ao longo dos últimos anos, tenho vindo a corrigir e a chamar a atenção para publicações que incluem o dito retrato como representando Nasoni. Contudo, o erro disseminou-se e sedimentou-se de tal modo que o suposto retrato deste arquitecto do período barroco está já fixado no próprio espaço público, mais concretamente num mural que representa grandes figuras ligadas ao Porto, situado na esquina da Rua do Bonjardim com a Rua Gonçalo Cristóvão.

António da Cunha Barbosa - o verdadeiro retratado - viu-se assim inusitadamente guindado à categoria de um dos mais ilustres portuenses, apenas porque, como era muito dado a pertencer a irmandades e a exercer nelas a virtude da Caridade, mereceu que se lhe pintasse o retrato, retrato esse que alguém, na sua ignorância, achou que poderia representar Nasoni. É possível que o erro já não seja corrigível e passemos a ter em breve ainda mais publicações que mostrem esta faceta mistificada de um Nicolau Nasoni vanguardista, vestindo roupa que, na sua época, ninguém sequer ainda usava. Mas também pode ser que algum "grafiter" apreciador da verdade histórica queira caridosamente fazer justiça ao caritativo António da Cunha Barbosa e, no referido mural, coloque o nome correcto do retratado.

20 abril 2010

A cidade vista da torre dos Clérigos - V

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A sombra da torre esconde parte do pavimento da estreita e íngreme Rua da Assunção, enquanto o sol da tarde ilumina as fachadas verticais do casario.
Este correr de casas acompanha o traçado da muralha fernandina de que existem vestígios na última casa do lado poente, na Cordoaria, onde está instalado um pequeno café. A construção da igreja e da prodigiosa torre, fora da muralha, começada em 1732, é um indício de que a cerca medieval se tinha tornado pequena para conter o desenvolvimento da cidade de então.

14 abril 2010

A cidade vista da torre dos Clérigos - IV

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Olhando agora para sul observamos a Sé, multissecular e dominante, e o Paço Episcopal, majestoso e equilibrado. A meio da encosta granítica que sustém a catedral e a sede do bispado do Porto, à direita, está a Igreja do Colégio da Companhia de Jesus, ou de S. Lourenço, ou dos Grilos, nome que lhe calhou após a expulsão dos jesuítas pelo injusto e cruel Marquês de Pombal, governante que deixou no Porto uma marca de morte, de dor e de sangue.

Do outro lado do rio, no alto da escarpa fronteira, vemos o Mosteiro da Serra do Pilar com a característica igreja de planta circular. Ao fundo os edifícios que cresceram apressadamente à volta do eixo da Avenida da República, em Gaia.

Regressando à margem direita, olhemos o casario ao redor da Sé cujo traçado, contido outrora pela cerca primitiva, constitui o núcleo mais antigo do Porto. Naquele labirinto de ruelas, escadas, becos e pátios estão topónimos carregados de história, como Escura, Bainharia, São Sebastião, Pena Ventosa, Aldas, Pelames, Souto e Santana. O correr de fachadas em baixo pertence à Rua de Mouzinho da Silveira.

Como última observação, é notável a integração, neste conjunto, da belíssima torre da Casa da Câmara, reconstruída em 1995 junto à Sé, fruto da mestria do arquitecto Fernando Távora.

12 abril 2010

A cidade vista da torre dos Clérigos - III

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Depois de termos observado a cidade nas direcções nordeste e noroeste, olhamos agora para sudoeste, com o sol do meio da tarde pela frente. O que a foto tem de mais interessante, e pouco comum, é a vista conjunta do Douro - a alguns quilómetros da foz - e do Atlântico. O rio aparece-nos aqui diante de Monchique e do cais do Cavaco. No primeiro plano está o telhado do Palácio da Justiça e à direita, ao fundo, a Ponte da Arrábida e um dos molhes do Douro. Em frente, na penumbra, estão terras do Candal,em Gaia.

09 abril 2010

A cidade vista da torre dos Clérigos - II

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Diz-nos Sant’Anna Dionísio que a primeira escola superior, de relativo nível científico, criada no Porto nasceu de uma iniciativa da burguesia portuense. Em 1761, os negociantes mais representativos do velho burgo, dirigiram uma petição a D. José I requerendo autorização para construir e manter por sua conta duas fragatas de guerra, destinadas a proteger e a comboiar os seus navios de comércio que saíssem ou demandassem a barra do Douro. Um decreto real determinou a criação de uma “aula” designada Real Escola Náutica, que está na origem da Real Academia da Marinha e Comércio, para quem o edifício acima começou a ser construído em 1803, antes da primeira invasão francesa. A Real Academia foi mais tarde transformada em Academia Politécnica e, em 1911, na Faculdade de Ciências. Hoje o edifício alberga a reitoria da Universidade do Porto.

Esta citação, de verdadeiro poder e autonomia da velha urbe, não é despicienda ao observar o Porto numa altura em que a cidade atravessa, talvez, um dos períodos mais críticos da sua história milenar, confrontada com a pobreza, a desertificação, a falta de iniciativa, a ruína do centro histórico e da baixa, e a perda de poder face à inépcia dos seus supostos representantes políticos na capital, deslumbrados com as sinecuras do eldorado centralista.

Voltando à fotografia, no centro está a Boavista com o obelisco do Monumento aos Heróis da Guerra Peninsular, que durante decénios constituiu o ponto mais alto do local, difícil de distinguir no meio dos edifícios que entretanto por lá cresceram. No último plano, à esquerda, vislumbra-se no horizonte o azul de algo que continua a moldar a urbe, o oceano Atlântico.