25 janeiro 2006

Da Urbe e do Burgo - II

A nova muralha do Porto

O atributo «nova», para classificar a muralha mandada edificar por D. Afonso IV, distingue-a da antiga e pequena muralha, apelidada de sueva, que hoje se sabe ter sido levantada durante a ocupação romana da península, nos séculos III ou IV d.C.
Da velha muralha existe uma torre no morro da Sé, actualmente decorada com um sinal de trânsito e dois contentores de lixo verdes, cor da ecologia mas também da esperança. Adiante. É da cerca nova do Porto, longa de três quilómetros, que nos fala o excerto da crónica de Sant'Anna Dionísio, publicada nos anos 60, que escolhi para enquadrar a fotografia da muralha popularmente conhecida como fernandina. Muralha que, como vimos abaixo, foi mandada demolir pelo Almada pai, no século XVIII.
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«Ao sair da Idade Média, o Porto, tendo rompido a exígua carapaça do chamado muro velho (ou muro "suevo") , acomoda-se mais à vontade e com mais segurança dentro do muro novo, que, à custa de duro trabalho dos moradores e alguns decerto dos arredores, se erguera, em menos de meio século, desde o recôncavo de Miragaia ao despenhadeiro dos Guindais.

Essa importante obra de defesa deve ter sido determinada pelo risco que os Portuenses correram, em 1336, no começo do reinado de D. Afonso IV, quando uma aguerrida hoste de uns 1 300 galegos e castelhanos, capitaneados por um vassalo de Afonso IX de Castela, D. Fernando de Castro, invadiu o Entre Douro e Minho e veio até às cercanias do burgo. Em presença do perigo, o bispo, D. Vasco Martins, juntou a gente que pôde e, com a ajuda do arcebispo de Braga, D. Gonçalo Pereira (o avô de Nun'Alvares), e do grão-mestre da Ordem de Cristo, D. Estêvão Gonçalves, atacou os invasores e desbaratou-os na passagem do rio Leça.



Nesse mesmo ano se deu começo à construção da nova muralha do Porto, estando a cidade escarmentada com o risco que correra, pois inúmeras casas, por falta de espaço dentro do morro da Sé, haviam sido construídas fora da muralha velha.

De resto, desde D. Dinis, verificava-se, em Portugal, de norte a sul, intensa actividade de prevenção. Por toda a parte se construíam muralhas e couraças. Vila Real, Chaves, Vinhais, Bragança, Trancoso, Pinhel, Sabugal cercavam-se de possantes torres e barbacãs. Eram as obras de toda a gente. No canseiroso formigueiro que as fazia surgir do chão misturavam-se homens de todas as condições: rústicos, vilões, mesteirais e até clérigos. Cada "vizinho" e cada pulso contribuía com um "canto".

Quem prestar atenção ao que ainda resta desses muros (infelizmente convertidos,quase todos, em pedreiras maninhas, nos séculos XVIII e XIX), não poderá deixar de ficar impressionado com a grandeza de tantas obras realizadas por um país que contava, se tanto, um milhão de habitantes.

A muralha nova do Porto, ao fim de quarenta anos de trabalho anónimo, estava concluída. Reinava então o Inconstante, já a braços com a desastrosa contenda com o Trastâmara. O burgo expansivo e forte podia dormir com mais sossego, tendo as portas bem trancadas de noite.

O muro apresentava uma altura média de três braças, de espessura uma braça, mais de meia légua de perímetro (uns 3400 metros), cinco portas defendidas por torres, sete postigos e duas dezenas de cubelos.
(Interrogue-se hoje algum mestre-de-obras, pausado e entendido, e pergunte-se em quanto poderia importar uma obra dessas, em boa cantaria de granito, bem travada e aparelhada -, não se esquecendo de o informar, à puridade, que os penedos, nesse tempo, eram cortados a guilho e o transporte dos grandes rebos se fazia em poderosas forquilhas ou «zorras» de carvalho lusitano...)

A relativa prosperidade que o burgo fruía (graças ao comércio com os países do Norte, nesse tempo mais necessitados ainda do que hoje do que só o solo e o sol dos meridionais lhes poderia levar: o vinho, as frutas e o sal), não deve ter sido alheia a essa obra realizada em tão reduzido tempo.»

Sant'Anna Dionísio

16 comentários:

Pedro Estácio disse...

Olá Carlos,

Passei por aqui, para ler a interessante continuação do teu post. 5* :)

Grd Abrç,
Pedro Estácio

CARMO disse...

Uau... é de ficar de boca aberta quando se analisa com mais detalhe alguns feitos históricos... parabéns pelo post. Brilhante!

Anónimo disse...

Sou tripeiro mas vivo em Lisboa e vim cá parar por pesquisa .Com efeito passei pelo Porto neste fim de semana e depois de ter visto a destruicao que esta a ser feita na avenida dos Aliados e da Praça estava com curiosidade em ver o que os blogues portuenses diziam ou mostravam daquele estaleiro e crime patrimonial. Aqui esperava encontrar algumas fotos ou comentarios mas para meu espanto nada! è como se houvesse guerra no pais e ninguem noticiasse nada: life as usual, nada. É incrível! Daqui a uns anos vai poder fazer uma entrada muito bonita com a história do que estva naquele sítio e receber muitos beijinhos e abraços pelo post ;-(

Teófilo M. disse...

Caro Anonymous,

não tendo recebido encomenda do nosso Carlos Romão, meto-me à frente para lhe indicar como aceder a alguns blogs nortenhos, e não só, onde pode assistir e contribuir para lutar contra o que se passa nos Aliados.

Ora aí vai:

- de dedicação exclusiva à causa da Avenida:

Aliados

para os outros, bastará consultar os Aliados-Arquivo para verificar que muito temos falado sobre o assunto.

Caro Carlos, desculpe o abuso, mas a altaneira torre da muralha não me permitiu calar-me.

Fernando Ribeiro disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Fernando Ribeiro disse...

Caro Carlos Romão, venho aqui lembrar-lhe que o que resta do antigo Arco de Santana, na rua do mesmo nome (o arco propriamente dito foi demolido para facilitar o acesso ao Largo do Colégio), é um outro vestígio da antiga muralha românica, dita "sueva". Este arco era a porta da muralha que dava acesso ao Rio da Vila (que hoje corre debaixo das ruas de Mouzinho da Silveira e de São João), e à zona ribeirinha em geral.

Denudado (A Matéria do Tempo)

António Conceição disse...

Dantes, eu passava aqui para me deliciar com as fotografias.
Agora, continuo a passar por causa das fotos, mas também passo para aprender.
A propósito: a foto desta semana não se parece nada com as torres da Igreja da Lapa.

Art&Tal disse...

pois... encontrei o teu nome num lugar qualquer... eu disse: se for o irmao do cesar e do rui eu sei quem é porque carlos romao só conheço este. vê lá tu. e o transturistica no mesmo lugar mas já sem nós.

Art&Tal disse...

desnudado tem razao.

Carlos Romão disse...

Teófilo,
um grande abraço e obrigado.

Denudado,
mais o uma vez o seu comentário é oportuno. Não mencionei o outro vestígio da
cerca românica, o que resta do arco de Santana, demolido em 1821.

Funes,
uma foto da Igreja da Lapa seria oiro sobre azul se eu a tivesse em arquivo.

Holeart,
...........................................black jack....?.............pintor....?

rps disse...

Para quem em miúdo vivia em Gaia, muito próximo da D. Luís, a Muralha Fernandina é uma velha amiga que encontravamos nas constantes idas ao Porto.

PS - caro Carlos: fez bem em resolver o mistério que despertava a curiosidade de muitos blogueiros :-)
Abraço.

isabel mendes ferreira disse...

e ......


b.e.i.j.o.


e.... tudo belíssimo....

Anónimo disse...

Curioso, sempre que atravessava a D.Luis perguntava-me sobre a origem dessas muralhas... Continuação do bom trabalho na divulgação dos mistérios dessa unica cidade que é o Porto.

Eva Luna disse...

A mim retiraram-me todas as paisagens. Tu tens umas tão belas. Feliz de quem não está oculto, tal como eu, tentando renascer. Um beijo

isabel mendes ferreira disse...

olá "paisagem".....belíssimo. como sempre.



b.e.i.j.o.

isabel mendes ferreira disse...

estou aqui....vim "lavar" a alma....
beijos. Car.los.