22 junho 2005

A não perder



Os tradicionais barcos rabelos, que durante séculos transportaram rio abaixo tudo o que o Alto Douro produzia, fruirão de um sopro de vida na regata que partirá da Afurada para a Ponte Luís I, às 13h00 do dia de S. João. Uma oportunidade única para apreciar estas elegantes embarcações, de velas soltas ao vento, a deslizar lentamente sobre as águas do Douro.



Aqui, na Cidade Surpreendente, abordarei em breve "A Arquitectura do Rabelo", título de um estudo do arquitecto Octávio Lixa Filgueiras que serviu como roteiro para um filme documentário, do qual publicarei algumas imagens e textos.

20 junho 2005

Já cheira a S. João

Noite de Sexta-Feira passada em Lordelo do Ouro



Pela parte que me cabe nunca chamarei churros às farturas apesar de o vocábulo castelhano ter já entrado no léxico português com essa acepção. Até aqui, churro, na língua de Camões, significava apenas sórdido, sujo, imundo, longe portanto do conceito das doces e douradas farturas.
E no lugar de churraria, não estaria, antes de se terem mudado os tempos e as vontades, qualquer coisa como Cristina das Farturas?



Deixemo-nos de coisas menores. O importante é que a Primavera, revelada pelo Equinócio de Março, está em pleno declínio e o Solstício de Verão está aí fogoso, à porta, com o dia mais longo do ano a anunciar a grande festa tripeira, a noite de S. João.

17 junho 2005

No Muro dos Bacalhoeiros





Olhando as casas de cores quentes, estreitas e altas, com janelas amplas e varandas extensas, voltadas para o rio.

15 junho 2005

Augusto Gomes e Eugénio de Andrade

No catálogo referido abaixo, da exposição retrospectiva da obra de Augusto Gomes, encontrei dois elementos que relacionam as duas figuras da cultura portuguesa aqui evocadas, por razões diferentes, anteontem: um poema de Eugénio de Andrade e um retrato do poeta executado pelo pintor matosinhense.
Lá está também uma reprodução monocromática do quadro que serviu de mote a José João Brito, para elaborar a escultura de homenagem aos pescadores de Matosinhos.


Retrato do poeta Eugénio de Andrade - 1953
tinta da china-papel - 29,8cm x 19,7cm - colecção [em 1978] do poeta Eugénio de Andrade



Imagem e louvor de Augusto Gomes

Ele pinta lentamente uma luz supliciada,
porque tudo é amor e ama-se lentamente;
aqui e ali sublinha uma pálpebra, uns lábios,
e os olhos procuram o coração dos homens.

Nas suas mãos, raparigas passam despenteadas,
passa um pescador de rosto azul,
passa outra vez setembro, uma criança ainda,
e o mar irrompe de sombra em sombra,
porque tudo é amor, amor difícil, turvo,
lutando por ser diáfano em suas mãos.

Com alegria, descobre a cor da liberdade,
dos barcos, da juventude, e logo esquece.
Volta. Recomeça. Amorosamente
encontra um corpo - um corpo ? -
uma coluna de espanto e recomeça.

Escreve agora na terra um nome inocente,
cinco sílabas brancas, todas elas maduras,
e confia melancólico um segredo
à luz de cinza que se desprende da noite.

Eugénio de Andrade



Sem título/sem data
Óleo s/ tela - 124cm x 164cm - colecção [em 1978] do Banco Pinto de Magalhães

13 junho 2005

Uma homenagem aos pescadores em Matosinhos

No catálogo da exposição retrospectiva da obra de Augusto Gomes realizada em 1978 no Centro de Arte Contemporânea, então a funcionar no Museu Nacional de Soares dos Reis, aquele pintor é referido como tendo sabido representar a faina e o quotidiano das gentes de Matosinhos, através de uma pintura reveladora do sofrimento da labuta no mar.



Trinta anos após o desaparecimento físico de Augusto Gomes, o escultor José João Brito retomou as personagens do pintor e fê-las renascer, moldando-as em bronze.
O resultado, um generoso grupo escultórico, pode ser admirado em Matosinhos. Está lá tudo: os robustos corpos das mulheres amassados na resistência em terra, o luto nas vestes, a dor nos rostos e o desespero nos punhos cerrados erguidos ao céu.



Difícil é imaginar esta dinâmica de corpos tendo como horizonte o porto de Leixões, encafuada entre um edifício e um bar de praia. Pode ser que um dia alguém lhe dê um lugar mais honroso que sugira a vastidão da beira-mar.

Rua Duque de Palmela 111

Pelo lado dos lódãos ao fim do dia
depressa se chega agora no verão
à pedra viva do silêncio
onde o pólen das palavras se desprende
e dança dança dança até ao rio.

Eugénio de Andrade
1923-2005

09 junho 2005

Reflectindo



No início dos anos noventa veio parar-me às mãos, por empréstimo, um álbum com fotografias do Porto tiradas por um cidadão inglês, fotógrafo amador, na última década do século XIX. Entre os inúmeros originais fotográficos havia uma imagem esplêndida, tirada do miradouro da Vitória, que mostrava todo o vale fronteiro à Sé. A curiosidade levou-me a reproduzir a fotografia e a deslocar-me ao local - o largo socalco onde esteve instalada uma bateria de artilharia durante o Cerco do Porto - para observar as diferenças.
Deparei com um edifício de construção recente, um balneário, que sendo útil para a população residente, constitui uma intervenção infeliz por ter tapado parte da vista do miradouro. Como se isto não fosse suficiente para provocar descontentamento, enfeitaram-no com um conjunto de antenas retransmissoras de uma rede de telefones móveis.
O edifício, como muito outros remodelados no centro histórico do Porto, o tal que é património da humanidade, apresenta na fachada oposta à da fotografia um adiantado estado de degradação. Degradação mais próxima do aviltamento que atinge os objectos de consumo que acabam no lixo, e nestes incluo um grande leque que pode ir do automóvel à embalagem tetrapack, do que da serena e respeitável decadência provocada pela marcha implacável do tempo.