07 agosto 2006

Agosto no Porto

Primeiro vem a ameaça, no mês de Julho, com fogos de média dimensão um pouco por todo o distrito, a anunciar a catástrofe.


O céu a nordeste...

Quando chega Agosto basta a temperatura subir um pouco e o inferno aí está, invariavelmente, espelhado no céu. Foi assim no Sábado e no Domingo. O fumo no ar, a atmosfera irrespirável, o cheiro a madeira queimada que penetra em tudo...
Hoje de manhã, porém, o horror foi maior - como se fosse possível. O Sol, de um dia anunciado com céu azul e limpo, nasceu encoberto por um espesso manto de fumo, entre o negro e o amarelado da luz solar, que cobriu a cidade e fez as aves recolherem.


... e a noroeste

O monstro estendia-se por quilómetros, de nascente a poente, e ali esteve durante horas, ameaçador, largando cinzas ao vento. Depois dissipou-se em neblina, pairando ainda por aí neste fim de dia sufocante em que a rotina voltou a instalar-se.
Ontem em Paredes, hoje em Valongo, amanhã... não interessa. Já não acredito. É assim há anos. O festim dantesco continuará a desenrolar-se em Agosto, perante a indiferença e a inconsciência colectiva, até que se instale o deserto e nada mais haja para arder.

02 agosto 2006

O Palácio do Comércio





Em muitos de nós, a palavra palácio desperta de imediato o conceito de casa real ou nobre, oriundo, talvez, dos tempos em que o imaginário infantil era povoado pela leitura de contos de príncipes e princesas, com fadas à mistura.
O termo, no entanto, tem também, como se sabe, o significado mais concreto de casa grande, aplicado a muitos edifícios que compõem a cidade.
O prédio da Rua de Sá da Bandeira que as imagens representam, e que o afã diário nos impede de observar, foi provavelmente construído no início dos anos cinquenta. É majestoso e equilibrado, contudo, dele não encontrei qualquer referência na bibliografia que consultei sobre arquitectura do século XX no Porto. Quem terá projectado o Palácio do Comércio?

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7 Agosto 2006

Quando deixei no ar a pergunta sobre a autoria do projecto de arquitectura do Palácio do Comércio não estava à espera que o resultado fosse tão proveitoso. A questão vale o que vale, isto é, só interessa aos curiosos destas causas. O resultado, produto da contribuição de Pedro Lessa, Tiago Azevedo Fernandes - criador e moderador do único fórum virtual de cidadania em Portugal - se outro houver, façam o favor de me dizer que eu corrijo - e Álvaro Mendonça, permite elaborar uma pequena ficha do notável edifício que ocupa todo um quarteirão no alto da Rua de Sá da Bandeira.

O projecto de arquitectura é de David Moreira da Silva, genro de Marques da Silva o arquitecto que, a par de Nicolau Nasoni - em tempos diferentes -, mais marcou o Porto com a sua arte.
O apelido Moreira da Silva levanta-me outra questão. Terá alguma ligação familiar com o horto de Moreira da Silva, que na rua de Rua de D. Manuel II, diante do Museu de Soares dos Reis, foi substituído por um mastodonte de betão e vidro? Aí o horto ostentou numa empena, durante muitos anos, o belo e imperativo lema, inscrito na silhueta escura duma pêra, «Plantai as Nossas Árvores e Colhereis os Melhores Frutos». Plantai. Colhereis. O abuso da corruptela fez, entretanto, desaparecer da linguagem corrente a conjugação da segunda pessoa do plural... Continuemos.

Segundo Álvaro Mendonça, o promotor do Palácio do Comércio foi «Delfim Ferreira, conde de Riba d'Ave, tendo-se encarregado da sua construção, a Cooperativa dos Pedreiros sob projecto de engenharia de Teixeira Rego». «(...) o custo total da obra, considerado gigantesco para a época, terá rondado os 300 mil contos. Toda a caixilharia é em bronze e alguns dos vidros aplicados em algumas das janelas e vitrinas, são em formato curvo e, ao que apurei, foram importados da Bélgica, a preços elevadíssimos», acrescenta Álvaro Mendonça no seu comentário. Informações preciosas, a que acrescento a de Pedro Lessa que nos diz que a data do projecto é 1941, de acordo com o Jornal dos Arquitectos, nº 85 de Março de 1990, pág. 31.
O meu obrigado a todos.

26 julho 2006

O vitral da casa dos sonhos



Oh as casas as casas as casas
as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?

(...)

A casa a que pertenceu o vitral acima, não caberia no poema de Ruy Belo. Não era daquelas que explicam que exista uma palavra como intimidade, referidas pelo poeta. Pelo contrário, era um lugar de espectáculos públicos que se terá cruzado com a poesia à sua maneira, no domínio dos sonhos.

Muitos de nós se lembrarão do Cinema Trindade, do seu enorme ecrã para filmes de 70mm. Do 1º Balcão espaçoso a meia altura da sala, que permitia usufruir plenamente do espectáculo cinematográfico. Do som estereofónico. Outros recordarão as sessões matinais do Cineclube do Porto, aos Domingos, e os concertos de jazz quando a marinha americana passava por Leixões.

A programação do Trindade estava então a cargo de um homem culto, apaixonado pelo cinema, elemento destacado do Movimento Cineclubista e opositor do regime vigente: Luís Neves Real.
A ele se deve a abertura do Batalha Bebé em 1976, em plena democracia, para aí exibir filmes de menor audiência, como reacção ao já então anunciado êxodo de espectadores, que determinou o encerramento do Trindade em 1989. Do interior do edifício resta o vitral, a lembrar a abertura daquele espaço em 1913 e também para que não sejamos somente... instabilidade.

Oh as casas as casas as casas
as casas nascem vivem e morrem
...

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28 Julho 2006

Como adenda, porque é um excelente suplemento a esta entrada, transcrevo o comentário de Denudado, autor do do blogue A Matéria do Tempo, que me atrevo a intitular:

O Mundo Sonoro de Jorge Peixinho no Cinema Trindade

A referência ao som estereofónico da sala do Cinema Trindade acendeu em mim uma recordação.

Era no Trindade que a Juventude Musical Portuguesa organizava alguns dos seus concertos, a que eu assistia na minha qualidade de sócio da instituição.
Assisti uma vez, não exactamente a um concerto, mas antes a um recital de piano, em que o grande compositor português de vanguarda Jorge Peixinho (já falecido, infelizmente) interpretou algumas obras da sua autoria.

Uma dessas obras chamava-se, salvo erro, Harmonias II ou Harmonias III. Para interpretá-la, Jorge Peixinho tinha um microfone junto do piano, o qual estava ligado a um gravador de bobina; a este gravador seguiam-se mais 3 outros gravadores, todos perfeitamente alinhados uns pelos outros. Uma fita magnética saía do primeiro gravador e passava directamente pelas cabeças de leitura dos gravadores seguintes, só sendo enrolada pelo último gravador de todos.

O primeiro gravador (o que tinha o microfone) registava na fita magnética o que Jorge Peixinho tocava. Um ou dois segundos mais tarde, a mesma música era reproduzida pelo primeiro gravador, o qual estava ligado às colunas laterais da sala que estavam mais à frente. A seguir (com mais um atraso temporal de 1 ou 2 segundos), ela era reproduzida pelo 2º gravador, o qual estava ligado aos altifalantes laterais do meio da sala. Por fim, a fita era reproduzida, 1 ou 2 segundos mais tarde, pelo 3º gravador, o qual estava ligado às colunas laterais do fundo da sala.

Resultou de toda esta montagem que o público ouvia primeiro as notas tocadas no piano, vindas directamente do palco. De imediato, as mesmas notas avançavam pela sala fora, como uma verdadeira onda sonora, da frente para trás, à medida que iam sendo emitidas pelas colunas da sala.

O resultado não podia ser mais magnífico. O avanço da música pela sala, em ondas, e a interacção harmoniosa que ela fazia consigo própria, fez daquele recital um espectáculo verdadeiramente inesquecível. Foi no Trindade.

20 julho 2006

Rostos com nome

Uma das razões porque tem havido poucas fotografias de rostos n'A Cidade Surpreendente, deve-se a um conjunto de incertezas pessoais, que vão do pudor ao sentimento de intrusão, na altura de fotografar, e daqui, à legitimidade da exibição pública das imagens.



A solução, encontrada recentemente, tem sido a abordagem directa: um pedido de autorização para fotografar e, na sequência, expor o resultado. Perde-se, por vezes, a espontaneidade do fotografado mas ganha-se a legitimidade, o que não é má troca. Quanto às reacções, têm variado da concordância imediata, a mais comum, à indiferença e ao não rotundo, a resposta menos ouvida.



O meu obrigado ao Rui, um insólito homem-estátua em Santa Catarina, e ao Sr. Jaime, pedinte naquela rua, por me terem deixado fazer algo de que gosto, fotografar pessoas.

12 julho 2006

Uma imagem para uma nota do quotidiano portuense



Sábado, 11 horas da manhã.
Sento-me na esplanada da Sá Reis, na Praça da Liberdade. Aguardo dez minutos, sem ser atendido.
Um indivíduo de meia-idade com uma farta bigodaça grisalha, ar carrancudo, meio desgrenhado, vestido com uma camisola verde e vermelha, que lhe chega até meio das pernas, com as insígnias nacionais estampadas, aparece junto de mim e olha-me sem dizer nada. No primeiro instante pareceu-me um pedinte mas logo percebi, pela interrogação entretanto posta no olhar, que era o empregado.
Peço um pingo descafeinado que não demora e vem acompanhado de um porta guardanapos de papel, atirado para cima da mesa. O ruído provocado pelo choque do objecto no tampo metálico foi tal, que o tipo deve ter-se visto na obrigação de pedir desculpa.
Tomo o pingo e distraio-me a observar o vaivém das gentes naquela manhã de sol coado por uma ligeira neblina.
Decido retirar-me. Aguardo longos minutos que o empregado apareça. Com toda a paciência do mundo resolvo procurá-lo no interior do estabelecimento. Encontro-o ao fundo, a folhear um qualquer jornal. Estendo-lhe dez euros para pagar noventa e cinco cêntimos. Pergunta-me se não tenho trocado. Respondo-lhe que não, que não tenho moedas. O homem sai para trocar a nota na Ateneia, a confeitaria ao lado, e volta com um ar incomodado. Dá-me o troco. Abro a mão e verifico que faltam cinco cêntimos. Exijo-lhos. Agastado, atira-me com a pequena moeda para a mão.
Desapareço na manhã ensolarada com uma certeza, a de que a reabilitação urbana da baixa terá que ser acompanhada da reconversão deste modelo de serviços.

10 julho 2006

A Arquitectura do Rabelo no cinema

Integrado no ciclo Cinema à Moda do Porto, o documentário Arquitectura do Rabelo passará, em versão video, no próximo sábado dia 15, no Batalha Bebé.
Este documento etnográfico único, que despertou o interesse de alguns museus de marinha do norte da Europa, dos Estados Unidos e do Canadá, relata-nos, com algum pormenor, a construção de um barco rabelo no último areio do Douro segundo o método tradicional, por uma equipa dirigida por um dos últimos calafates do rio, o Mestre Arnaldo Pereira.
O guião é da autoria de Octávio Lixa Filgueiras, o mentor, durante trinta anos, da arqueologia subaquática em Portugal. As filmagens decorreram, ao ritmo da construção do barco, durante todo o mês de Junho de 1991. A produção é de José Monteiro e a realização de Vítor Bilhete.

05 julho 2006

De volta ao Batalha

Sei que não é com atitudes voluntaristas que voltaremos a ver a baixa do Porto com a vida que teve num passado não muito distante. Nem com um pequeno passo, como é o da reabertura do Batalha. É antes com alguns grandes passos, de quem tem o poder de decidir e de legislar, e com muitos, mas muitos pequenos passos como este. Daí o meu entusiasmo com o sopro de vida que surgiu naquele espaço. E daí, também, a decisão de lá voltar.



Na abordagem que aqui fiz em Março passado, a par de uma resenha histórica, vimos apenas o Disco Volante, o bar instalado nos pisos de entrada do antigo cinema. Mas há mais.





Há um restaurante, nos andares superiores, e uma esplanada no terraço donde se usufrui de um magnífico, e inédito até agora, panorama sobre a irregular, mas nem por isso menos interessante, Praça da Batalha.





E há ainda a harmoniosa sala de cinema, agora denominada grande auditório - dedicado a espectáculos musicais - por contraponto à sala pequena, o Batalha Bebé, de que não tenho imagens, que reencontrou a vocação inicial nas sessões promovidas pelo Cineclube do Porto.

28 junho 2006

No Mercado do Bom Sucesso

Não foi seguramente por ser «um esquipático alpendre, recurvo e abafado», como o classificou alguém já nosso conhecido, detentor de uma linguagem muito própria, que, há uns anos, a Câmara do Porto avançou com a hipótese de demolição do Mercado do Bom Sucesso.





O motivo seria outro, mas as razões apresentadas foram as de que o edifício, com a mudança dos hábitos de compra da população, se teria transformado num mercado grossista, tendo deixado a sua função inicial de servir os residentes para ser útil aos comerciantes da indústria de restauração da Boavista. Sendo verdade, não foi razão suficiente para que a derriba avançasse.





O mercado foi projectado em 1949 pelos mesmos autores da Igreja das Antas, Fortunato Leal, Cunha Leão e Morais Soares reunidos na empresa ARS, um grupo composto por arquitectos, pintores e escultores, que deixaria inúmeras obras interessantes à cidade. Viria a ser inaugurado em 1952.



Tem como características marcantes a forma hiperbólica e a intensa iluminação natural, proveniente dos lanternins de vidro que fecham a concha que o cobre. Como se pode observar é um importante exemplar de arquitectura modernista, que faz parte do património da cidade.