31 julho 2011

O Alfa Pendular...

... envolto na neblina matinal de hoje, parecia levitar sobre a Ponte Maria Pia quando, ao passar na Ponte de S. João, o avistei da Ponte do Infante.


26 julho 2011

O elogio da mulher

O que têm em comum Guilhermina Suggia, Aurélia de Sousa, Dona Antónia Ferreira, Rosa Ramalho, Carolina Michaëlis, Joaquina da Conceição Gomes e Sophia de Mello Breyner Andresen? A condição feminina, o facto de serem notáveis e, de uma maneira ou de outra, estarem ligadas ao norte de Portugal.


Foram estes factores que levaram a uni-las num painel sem título mas que poderia chamar-se "O elogio da mulher", com 2,00m por 9,00m, exposto, como elemento decorativo, num restaurante, bar, loja e livraria, fundado por mulheres, o No feminino com , na Praça de Carlos Alberto, no Porto.

GUILHERMINA SUGGIA (1885-1950)
Distinguiu-se como violoncelista. Foi precoce. Aos sete anos fez a sua primeira apresentação pública; aos 13 era já a violoncelista principal da Orquestra da Cidade do Porto. Estudou em Leipzig, na Alemanha, viveu em Paris com Pablo Casals - de quem tinha sido aluna – e em Londres. Em 1924 regressou ao Porto. Guilhermina teve um sucesso absoluto no meio musical europeu. A sala principal da Casa da Música tem o seu nome em homenagem a esta mulher notável. E revolucionária também, no sentido em que contribuiu decisivamente para a abolição de um preconceito, o de que o instrumento que tocava era indecoroso para as mulheres.

AURÉLIA DE SOUSA (1866-1922)
A imagem que está no painel é de um auto-retrato inacabado de Aurélia de Sousa, pintado por volta de 1897. Segundo Raquel Henriques da Silva, sua biógrafa, o enorme laço de cetim preto que a pintora ostenta, contraria a discrição habitual dos seus adereços e, ao mesmo tempo, fragiliza o rosto da pintora com uma modernidade inovadora para as convenções oitocentistas da pose feminina. Aurélia, enquanto Arlequim, ter-se-á divertido, nesta cena de interior, com o espelho e o vestuário.
Filha de emigrantes - nasceu no Chile - veio para o Porto com a família aos três anos de idade. Entre 1898 e 1901 viveu em Paris. No Porto, na Quinta da China, diante do Rio Douro, realizou a maior parte das suas obras, marcadas pelo Naturalismo. Ainda segundo R.H.S., Aurélia de Sousa é uma das mais importantes personalidades artísticas dos anos de 1900. Uma boa parte da sua obra pode ser observada na Casa Museu Marta Ortigão Sampaio e no Museu Nacional de Soares dos Reis.

Dona ANTÓNIA FERREIRA (1811-1896)
Mulher, humanista e empresária, três condições difíceis de encontrar em alguém que tenha vivido no século XIX. Teve uma vida pessoal atribulada mas isso não a impediu de contribuir, de forma notável, para o desenvolvimento da região que a viu nascer, o Douro vinhateiro. Debateu-se contra a filoxera, a terrível doença da vinha que dizimou inúmeros vinhedos provocando a miséria, soube ser solidária com os trabalhadores durienses, teve a coragem de dizer não ao poder político lisboeta e, mesmo assim, aumentou a fortuna que herdou. Dona Antónia Ferreira é incontornável, ainda hoje, quando se fala do Douro.

ROSA RAMALHO (1888-1977)
Teve uma vida longa mas a actividade que a tornou notável, a de barrista, moldando, com imaginação e ingenuidade, diabos, porcos, anjos, cristos, cabras e cenas da vida rural, exerceu-a na adolescência e depois só após os 68 anos. De permeio ficaram 50 anos passados em S. Martinho de Galegos, tempo que dedicou a tratar da família. Foi António Quadros que a deu a conhecer, nos anos 50, e lhe sugeriu que assinasse as suas peças. Hoje o duplo R no figurado de Barcelos é uma assinatura de prestígio. Rosa Ramalho tem seguidores, do seu imaginário fantástico, em Júlia Ramalho, sua neta, e noutros artesãos da sua região natal.

CAROLINA MICHAËLIS DE VASCONCELOS (1851-1925)
Nasceu em Berlim. Chegou ao Porto, em 1876, depois de ter casado com o musicólogo e historiador de arte Joaquim de Vasconcelos, que conheceu devido ao seu interesse pela cultura hispânica. Tornou-se portuguesa por devoção. É a mais célebre filóloga da nossa língua e foi a primeira mulher a leccionar numa universidade nacional, a de Coimbra, para onde se deslocava, partindo do Porto, várias vezes por semana. Escritora, crítica literária, lexicógrafa e investigadora, foi eleita para a Academia de Ciências o que provocou alguma discussão pelo facto de ser mulher. Levou 27 anos a “decifrar e copiar, com paixão e paciência” as “páginas seis vezes seculares” do Cancioneiro da Ajuda que editou em 1904. Publicou 180 títulos em prol do conhecimento da literatura portuguesa.

JOAQUINA DA CONCEIÇÃO GOMES, a São (1938)
Nasceu no dia de S. João. Trabalhou toda a vida como lavadeira. Lavava e cantava, cantava e lavava. Deixou de cantar quando a alma entristeceu e de lavar quando lhe faltaram as forças. Vive na Afurada.






SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN (1919-2004)
Nasceu no Porto mas partiu daqui muito cedo, com 10 anos de idade. É uma das figuras nacionais contemporâneas mais consensuais. Discreta e vertical, era avessa a vedetismos, Sophia deixou-nos uma obra literária no domínio da poesia, da prosa e do ensaio, marcada pela originalidade, pelas preocupações sociais e políticas e pela sua formação clássica. É considerada uma das principais personalidades literárias da segunda metade do século XX em Portugal.

08 julho 2011

Café e hotel





«Na década de 60, os cafés foram assaltados pela banca, mas não temos assistido à transformação da banca em café. O Astória é o primeiro caso de um banco passar a café.»
A observação é de Helder Pacheco comentando a reabertura do Café Astória, integrado no hotel Intercontinental Palácio das Cardosas. Café e hotel são, como já aqui dissemos, uma mais-valia para a cidade, dois elementos novos na baixa do Porto, que desejamos renovada.

30 junho 2011

Can I take a picture? - I

O Porto e a Região Norte emergiram para o turismo à revelia dos decisores que durante dezenas de anos promoveram as regiões de Lisboa, da Madeira e do Algarve como únicos destinos turísticos nacionais. Na origem deste fenómeno estão vários factores. As classificações de Património da Humanidade, atribuídas pela UNESCO ao centro histórico do Porto em 1996 e, em 2001, ao Alto Douro Vinhateiro e ao Centro Histórico de Guimarães, estarão entre os primeiros. As vitórias do Futebol Clube do Porto que levaram o nome da cidade a todo o mundo deram uma grande ajuda, tal como o novo aeroporto e o metro, mas foi uma nova filosofia de viagens aéreas, que acabou com o quase monopólio da TAP e ligou a cidade a dezenas de destinos no exterior, a preços impensáveis, que teve um contributo decisivo.



São esses turistas que aqui chegam diariamente e percorrem a cidade curiosos, de máquina fotográfica em punho, constituindo uma multidão que tem um papel importante na recuperação da baixa e está a contribuir para a mudança do perfil da cidade, tornando-a mais aberta, mais cosmopolita, que esta série de imagens procurará retratar, sob o título generalista “Can I take a picture?”.

28 junho 2011

Viagem pelo S. João no Porto

Deixemo-nos levar pela mão de Germano Silva e percorramos alguns bairros tradicionais da cidade, onde há séculos se comemora o S. João. Ouçamo-lo falar das orvalhadas entendidas como a saliva fértil dos deuses, em Cedofeita; dos três são joões que se comemoraram durante a revolução liberal, o da Lapa, que era cartista, o de Cedofeita, miguelista, e o do Bonfim, que foi republicano; do manjerico ligado aos amores, à fraternidade e à amizade, e do alho-porro como protecção contra o mau-olhado. Percorramos ainda os Caldeireiros, onde o autor se detém diante da Confraria de Nossa Senhora da Silva, prossigamos pelo Bairro Herculano até às rusgas na Alameda das Fontainhas. Ouçamos a referência feita há seiscentos anos por Fernão Lopes às festas são-joaninas portuenses e divirtamo-nos, por fim, com a Porto Lazer, a empresa municipal que este ano comemorou o 1º centenário da grande festa tripeira com, no mínimo, 500 anos de atraso.

27 junho 2011

As ruas presas às rodas

António Rebordão Navarro


«Estou sozinho na praça ao fim da Avenida Marechal Gomes da Costa, soterrado sobre as movediças areias de um tempo que passou, se é que passa e não constitui uma mera ilusão, como proclamariam alguns pensadores da Idade Média, quando uma voz emitida pelo rádio da central me manda seguir a toda a pressa para a Praça Gonçalves Zarco, onde ocorre qualquer anormalidade com outro taxi.
Acelero pela Avenida da Boavista abaixo, entre velhos solares abandonados que vão perdendo nas degradadas imagens o respeito por si próprios, jardins que se tornaram vastas matas tapando as moradias, prédios novos, de linhas rectilíneas, árvores fugindo à velocidade. Surge a sombra da estátua equestre no meio da rotunda e, ao fundo, soterrado, após as obras da capital da cultura, revolvendo, transformando a cidade, o Castelo do Queijo, forte costeiro cuja origem do nome sempre me escapou, do qual despontam submersos na bruma os torreões.



Sobre o espaço onde se erguera o Colégio Luso-Francês cujo prédio fora por muitos anos afecto à Companhia Carris e ultimamente demolido para, como constava, se edificar um dancing, o que não chegou a acontecer, ali permanecendo só uma ruína, na nova via ligando o Castelo do Queijo à estrada da Circunvalação e à horrenda fronteira sul de Matosinhos; defronte ao edifício transparente, construção de vidros e de poucas paredes, entre a praia e o termo do parque da cidade, mastodonte imponente e de elevados custos, projectado para zona de lazer, um elefante branco que ninguém ousava explorar, era só ocupado pelos ventos, o pó, as areias e a chuva, está um velho taxi parado de capot aberto fumegando. Inclinado sobre ele, como cana de pesca vergada pelo peixe, com os bigodes brancos e pendentes, as mãos esguias, trémulas, negras de óleo, a eterna bata sempre usada em serviço, cinzenta como o céu que nos cobria, o Jeremias Paredes, que na verdade se chamava Carneiro, mas por ser natural de Paredes de Coura, povoação que, saudoso, evocava, estava sempre a superlativar, considerava incomparável, por Paredes seria conhecido e tratado. Era dos mais idosos, talvez o mais antigo motorista de praça da cidade e, a seu lado, nervoso, com uma bela malinha de fino couro na mão direita, a gabardina branca, tão bem dobrada e rígida que parecia sólida, que parecia alva, uniforme mancha pintada numa tela, pendendo do antebraço esquerdo, cheviote de trespasse, gravata regimental, camisa clara, um sujeito estrangeiro invectivava-o, queixando-se do atraso, mirando e remirando o relógio de pulso, declarando num português mascavado, muitas vezes incompreensível, que não podia perder o avião, que fazia, que acontecia. Não lhe liguei ponta de corno. Perguntei ao Jeremias o que se passava. Desanimado, ele contou que fora ao hotel buscar o americano para o conduzir ao aeroporto, o carro começara a deitar fumo, a resfolgar, queimara-se a colaça, recorrera à central para mandarem um colega, enquanto o cliente não cessava de protestar. Das janelas de autocarros quase vazios, alguns viajantes observavam a cena de relance. Dois operários de bicicleta abrandariam um pouco ao passarem ali. Uns catraios ranhosos, hirsutos, friorentos, talvez vindos da praia, rodearam o estrangeiro, pedindo-lhe esmola, de mãos estendidas e sujas. Foram corridos com um berro do Paredes. Tens de mudar de carro, disse-lhe eu. Este já deu o que tinha a dar, e prestei-me a conduzir o irado cliente. O meu colega fechou com estrépito o capot, resmungou, vencido: «É muito tarde. Este morre comigo ou eu com ele. Vou voltar para a terra». O americano nunca mais se calava. Que isto era um país muito atrasado, que não podia perder o avião, que se queixaria ao consulado, ao Governo Civil, à embaixada, ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, que pediria responsabilidades, exigiria indemnizações, desculpas, o diabo. Aturei-o quase metade do caminho e perdi, de repente, a paciência. Vibrei uma bruta palmada no volante que me fez doer toda a mão e gritei-lhe, furioso: «Shut-up!», que eram as únicas palavras em inglês, por certo aprendidas nos filmes de cowboys ainda não denominados western, que eu sabia. O cavalheiro nunca mais abriu bico e até, honra lhe seja feita, me premiou com choruda gorjeta.
Nunca mais soube do Jeremias Paredes. Talvez o carro fosse para a sucata e ele regressasse à sua terra.»

Edições Afrontamento, Março 2011