26 novembro 2006
A Mário Cesariny
Prado do Repouso, Porto
Todos por um
A manhã está tão triste
que os poetas românticos de Lisboa
morreram todos com certeza
Santos
Mártires
e Heróis
Que mau tempo estará a fazer no Porto?
Manhã triste, pela certa.
Oxalá que os poetas românticos do Porto
sejam compreensivos a pontos de deixarem
uma nesgazinha de cemitério florido
que é para os poetas românticos de Lisboa não terem de
recorrer à vala comum
Mário Cesariny
19 novembro 2006
Latina, a livraria que tem Camões como patrono
Segundo uma crónica de Germano Silva, publicada no Jornal de Notícias há uns dois anos, Luís Vaz de Camões nunca terá passado pelo Porto. Era homem de outros percursos, doutras paragens semeadas de aventuras que aqui não encontraria.
A cidade, também, pouco o refere. Deu-lhe o nome a uma rua, ergueu-lhe um interessantíssimo, mas modesto, busto desgrenhado, virado ao vento sul do Atlântico num recanto da Avenida Brasil, e comemora-o no cunhal da Livraria Latina, casa de letras que o assumiu como patrono.
O Camões da Latina, que já aqui vimos, despeitado, a meter conversa com a figura feminina que se encontra na esquina oposta, do outro lado da Rua de Santa Catarina, é, imaginem, da autoria de alguém que, tendo formação de escultor, ficou conhecido como um dos pintores que melhor soube retratar o Porto, o aguarelista António Cruz. Deve-se a Henrique Perdigão, fundador da Latina em 1942, a substituição da figura de Mercúrio - companhia inadequada, na opinião do editor-livreiro - pela de Luís de Camões, na fachada da livraria.
Este preciosismo, que acabou por constituir uma boa homenagem da cidade ao nosso maior poeta, não é de admirar se nos aproximarmos um pouco de Henrique Perdigão. Era um literato, decidido, inovador, pleno de iniciativa, que dedicou vinte anos da sua vida à elaboração do Dicionário Universal de Literatura, obra prestigiada tanto em Portugal como no Brasil, onde ficou conhecido como Dicionário Perdigão.
Para comemorar a inauguração da livraria, Henrique Perdigão organizou um concurso literário, o primeiro realizado em Portugal. Abria assim também, de forma inédita, as edições da Colecção Latina que, em menos de três anos, poriam nos escaparates das livrarias quarenta novas obras - um prodígio para a época - de autores como António Botto, Teixeira de Pascoaes e João Gaspar Simões, entre outros.
Henrique Perdigão considerava a Latina como «a mais moderna organização livreira e editorial do país.» Ali podiam encontrar-se «livros de tudo e para todos, sobre Letras, Filosofia, Artes e Ciências e ainda tratados de Medicina, Cirurgia, Engenharia, Direito, indústrias têxteis metalúrgicas e eléctricas, contabilidade comercial, etc, etc.» Vendia ainda, por baixo de mão e com risco não despiciendo, livros políticos e outros proibidos pelo regime de Salazar, que incluíam autores como Jorge Amado, Raul Rego, Henrique Galvão, Cunha Leal e pasme-se... duas obras de Aquilino Ribeiro, Quando os Lobos Uivam e Príncipes de Portugal.
A ele se deve a iniciativa da primeira página literária nos jornais do Porto, publicada em O Primeiro de Janeiro sob a direcção do jornalista Jaime Brasil. Mais tarde, O Comércio do Porto e o Jornal de Notícias seguir-lhe-iam as pisadas.
Morreria prematuramente, em 1944, numa das suas deslocações ao Brasil, país com que mantinha uma estreita relação afectiva, para comprar livros que divulgaria em Portugal. Sucedeu-lhe o filho, Mário Perdigão, que manteve a Latina no roteiro bibliográfico portuense durante 53 anos.
Uma das características da tradicional livraria era o enorme pé-direito, preenchido com livros até ao tecto, que, fazendo a delícia dos turistas, «impedia o acesso do público às obras», segundo Henrique Perdigão, neto homónimo do fundador, que assumiu a decisão da renovação da Latina há dois anos. As obras foram ditadas por «razões comerciais e de estabilidade da estrutura do edifício», acrescentou.
O novo espaço, que conjuga a leveza e a elegância permitidas por materiais como a madeira e o aço, mantém a emblemática parede, agora acessível, pejada de livros. Entretanto a livraria duplicou os títulos e aumentou a aposta nos livros temáticos. A avaliar pelas declarações do proprietário, a Latina está de novo, como quando foi fundada, com o olhar posto no futuro.
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28 de Novembro
Duas notas
Uma para recomendar a leitura da adenda de JRP, no Comboio Azul, ao que aqui se escreve acerca de Camões e o Porto.
A outra, para corrigir a data desta entrada, que foi publicada a 24 de Novembro. O dia 19 é a data da gravação de um rascunho inacabado.
A cidade, também, pouco o refere. Deu-lhe o nome a uma rua, ergueu-lhe um interessantíssimo, mas modesto, busto desgrenhado, virado ao vento sul do Atlântico num recanto da Avenida Brasil, e comemora-o no cunhal da Livraria Latina, casa de letras que o assumiu como patrono.
O Camões da Latina, que já aqui vimos, despeitado, a meter conversa com a figura feminina que se encontra na esquina oposta, do outro lado da Rua de Santa Catarina, é, imaginem, da autoria de alguém que, tendo formação de escultor, ficou conhecido como um dos pintores que melhor soube retratar o Porto, o aguarelista António Cruz. Deve-se a Henrique Perdigão, fundador da Latina em 1942, a substituição da figura de Mercúrio - companhia inadequada, na opinião do editor-livreiro - pela de Luís de Camões, na fachada da livraria.
Este preciosismo, que acabou por constituir uma boa homenagem da cidade ao nosso maior poeta, não é de admirar se nos aproximarmos um pouco de Henrique Perdigão. Era um literato, decidido, inovador, pleno de iniciativa, que dedicou vinte anos da sua vida à elaboração do Dicionário Universal de Literatura, obra prestigiada tanto em Portugal como no Brasil, onde ficou conhecido como Dicionário Perdigão.
Para comemorar a inauguração da livraria, Henrique Perdigão organizou um concurso literário, o primeiro realizado em Portugal. Abria assim também, de forma inédita, as edições da Colecção Latina que, em menos de três anos, poriam nos escaparates das livrarias quarenta novas obras - um prodígio para a época - de autores como António Botto, Teixeira de Pascoaes e João Gaspar Simões, entre outros.
Henrique Perdigão considerava a Latina como «a mais moderna organização livreira e editorial do país.» Ali podiam encontrar-se «livros de tudo e para todos, sobre Letras, Filosofia, Artes e Ciências e ainda tratados de Medicina, Cirurgia, Engenharia, Direito, indústrias têxteis metalúrgicas e eléctricas, contabilidade comercial, etc, etc.» Vendia ainda, por baixo de mão e com risco não despiciendo, livros políticos e outros proibidos pelo regime de Salazar, que incluíam autores como Jorge Amado, Raul Rego, Henrique Galvão, Cunha Leal e pasme-se... duas obras de Aquilino Ribeiro, Quando os Lobos Uivam e Príncipes de Portugal.
A ele se deve a iniciativa da primeira página literária nos jornais do Porto, publicada em O Primeiro de Janeiro sob a direcção do jornalista Jaime Brasil. Mais tarde, O Comércio do Porto e o Jornal de Notícias seguir-lhe-iam as pisadas.
Morreria prematuramente, em 1944, numa das suas deslocações ao Brasil, país com que mantinha uma estreita relação afectiva, para comprar livros que divulgaria em Portugal. Sucedeu-lhe o filho, Mário Perdigão, que manteve a Latina no roteiro bibliográfico portuense durante 53 anos.
Uma das características da tradicional livraria era o enorme pé-direito, preenchido com livros até ao tecto, que, fazendo a delícia dos turistas, «impedia o acesso do público às obras», segundo Henrique Perdigão, neto homónimo do fundador, que assumiu a decisão da renovação da Latina há dois anos. As obras foram ditadas por «razões comerciais e de estabilidade da estrutura do edifício», acrescentou.
O novo espaço, que conjuga a leveza e a elegância permitidas por materiais como a madeira e o aço, mantém a emblemática parede, agora acessível, pejada de livros. Entretanto a livraria duplicou os títulos e aumentou a aposta nos livros temáticos. A avaliar pelas declarações do proprietário, a Latina está de novo, como quando foi fundada, com o olhar posto no futuro.
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28 de Novembro
Duas notas
Uma para recomendar a leitura da adenda de JRP, no Comboio Azul, ao que aqui se escreve acerca de Camões e o Porto.
A outra, para corrigir a data desta entrada, que foi publicada a 24 de Novembro. O dia 19 é a data da gravação de um rascunho inacabado.
15 novembro 2006
01 novembro 2006
O Coliseu visto por Domingos Alvão
Há dez anos chegou até mim, trazido por mão amiga, um álbum fotográfico elaborado por Domingos Alvão (1872-1946) com um levantamento exaustivo do Coliseu. Suponho que terá sido executado pelo fotógrafo por encomenda, o que era, e é ainda hoje, comum aquando da inauguração de um empreendimento importante. Estava lá todo o esplendor do edifício, em originais num formato próximo do 20x25 cm colados em cartolina escura, cuidadosamente separados por folhas de papel cebola. Das partes nobres aos sanitários, das caldeiras de aquecimento aos camarins, dos quadros eléctricos a uma adega regional que, suponho, terá desaparecido. Tudo fotografado com a mestria de Alvão, caracterizada pelos planos abertos, abarcando grandes espaços, pelos enquadramentos cenográficos e pela utilização da luz ambiente. Com uma interessante particularidade acrescida: todas as fotos estavam assinadas à mão pelo fotógrafo. Perante a impossibilidade da posse daquela preciosidade - não estava à venda por preço algum - apressei-me a digitalizar as imagens que hoje aqui trago.
Apesar de o Coliseu não ter sofrido grandes modificações desde a inauguração, em 1941, pelo menos no que diz respeito aos espaços públicos, e de termos consciência da sua existência física presente, as fotografias remetem o observador para um mundo inefável que sabemos não ser mais possível. Talvez seja nessa aura do tempo que resida o encanto da contemplação das imagens de Domingos Alvão.
Apesar de o Coliseu não ter sofrido grandes modificações desde a inauguração, em 1941, pelo menos no que diz respeito aos espaços públicos, e de termos consciência da sua existência física presente, as fotografias remetem o observador para um mundo inefável que sabemos não ser mais possível. Talvez seja nessa aura do tempo que resida o encanto da contemplação das imagens de Domingos Alvão.
20 outubro 2006
Escadas do Céu
Quanto mais penetrava no vale do Douro, mais sentia a pequenez, adivinhando a migalha que somos neste canto do mundo.
Francisco Gouveia
As Escadas do Céu, romance, 1999
06 outubro 2006
O Comboio Azul
Apeamo-nos finalmente na estação de Campanhã. Uma fila de carruagens sobre a linha do tramway. Um rumor diligente e alegre de tamancos novos sobre os largos passeios lageados.
Apeemo-nos pois, e saudemos o Comboio Azul que, entre os maquinistas, traz o Jorge Ricardo Pinto - que tão boas provas deu no excelente Avenida dos Aliados - de volta aos blogues. E brindemos, porque o Comboio trará, seguramente, a leitura de brilhantes textos sobre o Porto e a contemplação de belas imagens.
Apeemo-nos pois, e saudemos o Comboio Azul que, entre os maquinistas, traz o Jorge Ricardo Pinto - que tão boas provas deu no excelente Avenida dos Aliados - de volta aos blogues. E brindemos, porque o Comboio trará, seguramente, a leitura de brilhantes textos sobre o Porto e a contemplação de belas imagens.
05 outubro 2006
Frente e verso
É uma agradável surpresa entrar no edifício de fachada cinzenta, austera e clássica da Caixa Geral de Depósitos, e deparar com as cores vivas, o ritmo e os padrões geométricos que caracterizam a Art Déco, na Galeria da pequeníssima antena da Culturgest, no Porto. Um espaço vivo e conservado de que se recomenda a contemplação.
Na Outra Face da Cidade Surpreendente está à vista o verso desta página. No mesmo espaço monumental, o da Avenida dos Aliados e da Praça da Liberdade, pode observar-se o estado deprimente do interior do edifício do antigo Café Imperial, café que, seguramente, teria tido o mesmo destino dos pisos superiores do prédio, se não tivesse sido renovado pela McDonald's.
Na Outra Face da Cidade Surpreendente está à vista o verso desta página. No mesmo espaço monumental, o da Avenida dos Aliados e da Praça da Liberdade, pode observar-se o estado deprimente do interior do edifício do antigo Café Imperial, café que, seguramente, teria tido o mesmo destino dos pisos superiores do prédio, se não tivesse sido renovado pela McDonald's.
20 setembro 2006
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