23 dezembro 2006

Longa vida à Livraria Fernando Machado

Há dias, quando cultivava o meu vício de passear de máquina fotográfica, desta vez na tentativa de conseguir uma fotografia das pobres iluminações natalícias da Baixa, tive uma agradável surpresa. A Livraria Fernando Machado, apareceu-me, no meio da noite, reluzente, como nova, bem destacada da escuridão por uma luz esplêndida.



Lembrei-me então da notícia de O Tripeiro, na edição deste mês, sobre a Fernando Machado, anunciando que a livraria estava de regresso aos Clérigos, mais bonita e mais funcional, portas abertas a todos, com música em fundo que convida à permanência, disposta a retomar o seu lugar na cultura portuense.
O que vale, ainda segundo O Tripeiro, é que as livrarias, ao contrário dos homens morrem mas podem ressuscitar.
Longa vida, então, à Livraria Fernando Machado!

17 dezembro 2006

Um livro com alma

«Pode uma cidade ter alma?», interrogam-se os autores do livro recém-chegado aos escaparates. E dão-nos uma das muitas respostas possíveis. A alma de uma cidade é o indizível, a «projecção transcendente de um todo que envolve diferentes componentes como o histórico, o arquitectónico, o científico, a experiência humana através da organização sócio-cultural».
Daqui partem J. Tamagnini Barbosa e Manuel Dias para um percurso pelo Porto de A a Z, ao longo de quase 400 páginas ilustradas com reproduções de gravuras, aguarelas, óleos e excelentes fotografias de Gaspar de Jesus. Da mesa da Adega de Vila Meã ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro, do Estádio do Dragão à memória dos cafés do Porto ou da figura de Afonso Pinto de Magalhães, este é um livro feito por profundos conhecedores da cidade, um livro com alma.

O meu nome escreve-se com dois tês.
Leiam pelo menos um.



Casa de Almeida Garrett
Descendo do Jardim da Cordoaria para a Rua das Virtudes, no nº 37 da Rua de Barbosa de Castro (a antiga Rua do Calvário), vai encontrar-se a casa onde nasceu, a 4 de Fevereiro de 1799, um certo João Baptista da Silva Leitão, posteriormente Visconde de Almeida Garrett, que aí viveu até aos cinco anos de idade, altura em que a família se mudou para uma quinta em Vila Nova de Gaia ( de onde, aquando da Segunda Invasão Francesa, se transferiria para os Açores).
De traça setecentista, o imóvel ostenta na fachada, desde 1864, um medalhão oval de gesso, em baixo relevo, homenageando a memória deste cidadão portuense, notável homem de letras, político de inflamada oratória, diplomata e cultor obsessivo da elegância. Uma curiosidade. «O meu nome escreve-se com dois tês. Leiam pelo menos um». Disse-o o próprio, mas, mais de dois séculos passados sobre o seu nascimento, ainda há muito quem, na rádio e na televisão, pronuncie Garré.

in Porto Cidade com Alma

13 dezembro 2006

O seu a seu dono

Como tenho andado afastado da rede só agora soube que a iniciativa do Geração Rasca, de eleger os melhores blogues de 2006, brindou A Cidade Surpreendente com um honroso 4º lugar na categoria do Melhor Blogue Temático. Tendo consciência que há melhores blogues do que este, entre o 5º e o 10º lugar, procuro uma justificação no campo dos afectos que aqui têm nascido.
Parabéns ao excelente Foram-se os Anéis, pelo 1º lugar, e a todos os premiados nas outras categorias. Ah! E obrigado à geração rasca e a todos aqueles que votaram n'A Cidade Surpreendente. O troféu, gratificante, fica aí ao cantinho, para mais tarde recordar.

26 novembro 2006

A Mário Cesariny


Prado do Repouso, Porto

Todos por um

A manhã está tão triste
que os poetas românticos de Lisboa
morreram todos com certeza

Santos
Mártires
e Heróis

Que mau tempo estará a fazer no Porto?
Manhã triste, pela certa.

Oxalá que os poetas românticos do Porto
sejam compreensivos a pontos de deixarem
uma nesgazinha de cemitério florido
que é para os poetas românticos de Lisboa não terem de
recorrer à vala comum

Mário Cesariny

19 novembro 2006

Latina, a livraria que tem Camões como patrono

Segundo uma crónica de Germano Silva, publicada no Jornal de Notícias há uns dois anos, Luís Vaz de Camões nunca terá passado pelo Porto. Era homem de outros percursos, doutras paragens semeadas de aventuras que aqui não encontraria.
A cidade, também, pouco o refere. Deu-lhe o nome a uma rua, ergueu-lhe um interessantíssimo, mas modesto, busto desgrenhado, virado ao vento sul do Atlântico num recanto da Avenida Brasil, e comemora-o no cunhal da Livraria Latina, casa de letras que o assumiu como patrono.

O Camões da Latina, que já aqui vimos, despeitado, a meter conversa com a figura feminina que se encontra na esquina oposta, do outro lado da Rua de Santa Catarina, é, imaginem, da autoria de alguém que, tendo formação de escultor, ficou conhecido como um dos pintores que melhor soube retratar o Porto, o aguarelista António Cruz. Deve-se a Henrique Perdigão, fundador da Latina em 1942, a substituição da figura de Mercúrio - companhia inadequada, na opinião do editor-livreiro - pela de Luís de Camões, na fachada da livraria.
Este preciosismo, que acabou por constituir uma boa homenagem da cidade ao nosso maior poeta, não é de admirar se nos aproximarmos um pouco de Henrique Perdigão. Era um literato, decidido, inovador, pleno de iniciativa, que dedicou vinte anos da sua vida à elaboração do Dicionário Universal de Literatura, obra prestigiada tanto em Portugal como no Brasil, onde ficou conhecido como Dicionário Perdigão.

Para comemorar a inauguração da livraria, Henrique Perdigão organizou um concurso literário, o primeiro realizado em Portugal. Abria assim também, de forma inédita, as edições da Colecção Latina que, em menos de três anos, poriam nos escaparates das livrarias quarenta novas obras - um prodígio para a época - de autores como António Botto, Teixeira de Pascoaes e João Gaspar Simões, entre outros.



Henrique Perdigão considerava a Latina como «a mais moderna organização livreira e editorial do país.» Ali podiam encontrar-se «livros de tudo e para todos, sobre Letras, Filosofia, Artes e Ciências e ainda tratados de Medicina, Cirurgia, Engenharia, Direito, indústrias têxteis metalúrgicas e eléctricas, contabilidade comercial, etc, etc.» Vendia ainda, por baixo de mão e com risco não despiciendo, livros políticos e outros proibidos pelo regime de Salazar, que incluíam autores como Jorge Amado, Raul Rego, Henrique Galvão, Cunha Leal e pasme-se... duas obras de Aquilino Ribeiro, Quando os Lobos Uivam e Príncipes de Portugal.

A ele se deve a iniciativa da primeira página literária nos jornais do Porto, publicada em O Primeiro de Janeiro sob a direcção do jornalista Jaime Brasil. Mais tarde, O Comércio do Porto e o Jornal de Notícias seguir-lhe-iam as pisadas.

Morreria prematuramente, em 1944, numa das suas deslocações ao Brasil, país com que mantinha uma estreita relação afectiva, para comprar livros que divulgaria em Portugal. Sucedeu-lhe o filho, Mário Perdigão, que manteve a Latina no roteiro bibliográfico portuense durante 53 anos.





Uma das características da tradicional livraria era o enorme pé-direito, preenchido com livros até ao tecto, que, fazendo a delícia dos turistas, «impedia o acesso do público às obras», segundo Henrique Perdigão, neto homónimo do fundador, que assumiu a decisão da renovação da Latina há dois anos. As obras foram ditadas por «razões comerciais e de estabilidade da estrutura do edifício», acrescentou.



O novo espaço, que conjuga a leveza e a elegância permitidas por materiais como a madeira e o aço, mantém a emblemática parede, agora acessível, pejada de livros. Entretanto a livraria duplicou os títulos e aumentou a aposta nos livros temáticos. A avaliar pelas declarações do proprietário, a Latina está de novo, como quando foi fundada, com o olhar posto no futuro.

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28 de Novembro

Duas notas
Uma para recomendar a leitura da adenda de JRP, no Comboio Azul, ao que aqui se escreve acerca de Camões e o Porto.
A outra, para corrigir a data desta entrada, que foi publicada a 24 de Novembro. O dia 19 é a data da gravação de um rascunho inacabado.

01 novembro 2006

O Coliseu visto por Domingos Alvão

Há dez anos chegou até mim, trazido por mão amiga, um álbum fotográfico elaborado por Domingos Alvão (1872-1946) com um levantamento exaustivo do Coliseu. Suponho que terá sido executado pelo fotógrafo por encomenda, o que era, e é ainda hoje, comum aquando da inauguração de um empreendimento importante. Estava lá todo o esplendor do edifício, em originais num formato próximo do 20x25 cm colados em cartolina escura, cuidadosamente separados por folhas de papel cebola. Das partes nobres aos sanitários, das caldeiras de aquecimento aos camarins, dos quadros eléctricos a uma adega regional que, suponho, terá desaparecido. Tudo fotografado com a mestria de Alvão, caracterizada pelos planos abertos, abarcando grandes espaços, pelos enquadramentos cenográficos e pela utilização da luz ambiente. Com uma interessante particularidade acrescida: todas as fotos estavam assinadas à mão pelo fotógrafo. Perante a impossibilidade da posse daquela preciosidade - não estava à venda por preço algum - apressei-me a digitalizar as imagens que hoje aqui trago.

















Apesar de o Coliseu não ter sofrido grandes modificações desde a inauguração, em 1941, pelo menos no que diz respeito aos espaços públicos, e de termos consciência da sua existência física presente, as fotografias remetem o observador para um mundo inefável que sabemos não ser mais possível. Talvez seja nessa aura do tempo que resida o encanto da contemplação das imagens de Domingos Alvão.