A singularidade da figura oitocentista da montra, deslocada no tempo há gerações, serena e levemente altiva, a par da peculiar actividade de produção de cabeleiras num ambiente fin-de-siécle, elevam a pequena loja conhecida como Cardoso Cabeleireiro, na Rua do Bonjardim, à condição de instituição urbana portuense.
Quando lá entrei estava Horácio Teixeira a «fazer a franja», a prender e a alinhar com destreza, num fio esticado, conjuntos de seis a nove cabelos. Para formar uma cabeleira são precisas 2000 fiadas destas, que podem demorar três dias a concluir. Trabalha com cabelo natural, matéria-prima que já foi mais fácil de encontrar. «Hoje os cabelos usam-se curtos; para serem trabalhados têm que ter no mínimo vinte centímetros de comprimento», diz-me.
A actividade já teve melhores dias, «no tempo em que os actores do Sá da Bandeira vestiam a rigor». «Hoje, um actor», mesmo que vá representar o papel de Luís XV, «entra no palco de qualquer maneira», acrescenta.
Nada é como era, com excepção daquele estabelecimento. Ali impera a tradição, patente num conjunto de mais de 300 cabeleiras para alugar - de senhores e de vassalos, de santos e de anjos - tratadas pelo mesmo método e com os mesmos instrumentos que eram usados há cem anos, quando a casa foi fundada.
Jerónimo Cardoso Jorge, o fundador, regressou ao Porto após ter visitado a Feira Universal de Paris em 1900, carregado de revistas e entusiasmado com o que tinha visto e aprendido por lá. Em 1906 alugou o edifício da Rua do Bonjardim, instalou a casa de família no primeiro andar e a loja no rés-do-chão, trabalhando como cabeleireiro e fabricante de perucas, capachinhos e bigodes. Chamou os sobrinhos, Manuel e António, para junto de si e, incansável, continuou a viajar por França e Espanha, donde trazia cabelo, e por Portugal e pelo Brasil, angariando clientes.
Morreu em 1920 deixando o negócio nas mãos dos sobrinhos. António desapareceu em 1973 e o irmão em 1988. Sem descendentes directos confiaram a casa a Horácio Teixeira e a Israel Matos, os seus mais leais empregados. Horácio, hoje com 61 anos, começou como aprendiz, aos 10 anos de idade, «depois de ter completado a 4ª classe». Israel foi introduzido na arte por um vizinho, empregado da loja, em 1965, quando tinha 11 anos.
A actividade da casa tem a época alta a partir da Páscoa, coincidindo com as festividades religiosas até Setembro. Nos restantes meses do ano «aguenta-se, há sempre que fazer».
Pergunto a Horácio Teixeira o que acontecerá à loja quando se cansar de exercer a profissão. Responde-me encolhendo os ombros e levantando as sobrancelhas, ao mesmo tempo que afasta os braços com as mãos abertas. Teve «três miúdos aprendizes» que se desinteressaram pela arte. Provavelmente fechará.
20 janeiro 2007
29 dezembro 2006
28 dezembro 2006
26 dezembro 2006
24 dezembro 2006
Um Pai Natal andaluz
Para o estereótipo ser perfeito faltam-lhe as vestes vermelhas. E ser menos comunicativo também, porque o velhote nórdico apenas solta uns monossílabos ininteligíveis. Gino Barba Iglesia, pelo contrário, é um homem concreto, simpático e conversador, que ri das amarguras da vida. Artista plástico itinerante, retratista de rua por estes dias a residir no Porto, acedeu amavelmente partilhar o desejo de Boas Festas aos visitantes que comigo fazem A Cidade Surpreendente.
23 dezembro 2006
Longa vida à Livraria Fernando Machado
Há dias, quando cultivava o meu vício de passear de máquina fotográfica, desta vez na tentativa de conseguir uma fotografia das pobres iluminações natalícias da Baixa, tive uma agradável surpresa. A Livraria Fernando Machado, apareceu-me, no meio da noite, reluzente, como nova, bem destacada da escuridão por uma luz esplêndida.
Lembrei-me então da notícia de O Tripeiro, na edição deste mês, sobre a Fernando Machado, anunciando que a livraria estava de regresso aos Clérigos, mais bonita e mais funcional, portas abertas a todos, com música em fundo que convida à permanência, disposta a retomar o seu lugar na cultura portuense.
O que vale, ainda segundo O Tripeiro, é que as livrarias, ao contrário dos homens morrem mas podem ressuscitar.
Longa vida, então, à Livraria Fernando Machado!
Lembrei-me então da notícia de O Tripeiro, na edição deste mês, sobre a Fernando Machado, anunciando que a livraria estava de regresso aos Clérigos, mais bonita e mais funcional, portas abertas a todos, com música em fundo que convida à permanência, disposta a retomar o seu lugar na cultura portuense.
O que vale, ainda segundo O Tripeiro, é que as livrarias, ao contrário dos homens morrem mas podem ressuscitar.
Longa vida, então, à Livraria Fernando Machado!
17 dezembro 2006
Um livro com alma
«Pode uma cidade ter alma?», interrogam-se os autores do livro recém-chegado aos escaparates. E dão-nos uma das muitas respostas possíveis. A alma de uma cidade é o indizível, a «projecção transcendente de um todo que envolve diferentes componentes como o histórico, o arquitectónico, o científico, a experiência humana através da organização sócio-cultural».
Daqui partem J. Tamagnini Barbosa e Manuel Dias para um percurso pelo Porto de A a Z, ao longo de quase 400 páginas ilustradas com reproduções de gravuras, aguarelas, óleos e excelentes fotografias de Gaspar de Jesus. Da mesa da Adega de Vila Meã ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro, do Estádio do Dragão à memória dos cafés do Porto ou da figura de Afonso Pinto de Magalhães, este é um livro feito por profundos conhecedores da cidade, um livro com alma.
Daqui partem J. Tamagnini Barbosa e Manuel Dias para um percurso pelo Porto de A a Z, ao longo de quase 400 páginas ilustradas com reproduções de gravuras, aguarelas, óleos e excelentes fotografias de Gaspar de Jesus. Da mesa da Adega de Vila Meã ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro, do Estádio do Dragão à memória dos cafés do Porto ou da figura de Afonso Pinto de Magalhães, este é um livro feito por profundos conhecedores da cidade, um livro com alma.
O meu nome escreve-se com dois tês.
Leiam pelo menos um.
Casa de Almeida Garrett
Descendo do Jardim da Cordoaria para a Rua das Virtudes, no nº 37 da Rua de Barbosa de Castro (a antiga Rua do Calvário), vai encontrar-se a casa onde nasceu, a 4 de Fevereiro de 1799, um certo João Baptista da Silva Leitão, posteriormente Visconde de Almeida Garrett, que aí viveu até aos cinco anos de idade, altura em que a família se mudou para uma quinta em Vila Nova de Gaia ( de onde, aquando da Segunda Invasão Francesa, se transferiria para os Açores).
De traça setecentista, o imóvel ostenta na fachada, desde 1864, um medalhão oval de gesso, em baixo relevo, homenageando a memória deste cidadão portuense, notável homem de letras, político de inflamada oratória, diplomata e cultor obsessivo da elegância. Uma curiosidade. «O meu nome escreve-se com dois tês. Leiam pelo menos um». Disse-o o próprio, mas, mais de dois séculos passados sobre o seu nascimento, ainda há muito quem, na rádio e na televisão, pronuncie Garré.
in Porto Cidade com Alma
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