«Não se afirme que a ideação de uma ponte do alto da Arrábida ao Candal é coisa nova nas aspirações portuenses, porque em 1886, ano em que foi aberta à circulação a ponte de D. Luís, já se preconizava e previa a construção daquele viaduto como complemento da urbanização da cidade e como saída necessária ao tráfego proveniente da actividade portuária de Leixões», escrevia a revista O Tripeiro em 1963, no número comemorativo da inauguração da Ponte da Arrábida.
Pensada inicialmente como simples alívio da Ponte Luís I, que em 1930 se mostrava já insuficiente para satisfazer as necessidades de circulação entre as duas margens do Douro, o projecto da Ponte da Arrábida viria a superar todas as expectativas iniciais, tanto pela grandiosidade da obra como pelo método construtivo.
Edgar Cardoso, um homem que não recuava perante dificuldades técnicas, idealizou-a a pensar no futuro, como peça fundamental de um rede complexa de ligações rodoviárias, e dotou-a do maior arco em betão armado até então construído à face da terra. Uma temeridade para a pequenez da mentalidade do Portugal de 1955. A ousadia contudo não ficou por aqui.
O molde para o fecho central do arco que havia sido construído a partir das margens, tinha, ainda segundo O Tripeiro, «80 metros de comprimento e 11 de largura, pesava nada menos de 465 toneladas. Era uma desmesurada peça que tinha de ser deslocada dos estaleiros de Gaia até debaixo do ponto exacto da elevação no rio e aí soerguida verticalmente, em arranque sucessivos, até ao nível das consolas que iria ungir». A essa operação, que decorreu entre 14 e 20 de Julho de 1961 assistiram inúmeros mirones, alguns na esperança de ver toda aquela estrutura desabar o que, como se sabe, não aconteceu.
Quando foi inaugurada, em 22 de Junho de 1963, a ponte dispunha de quatro elevadores para que os peões pudessem vencer a distância de setenta metros do rio ao tabuleiro, facilitando a travessia pedonal. Estava ainda equipada com duas pistas para bicicletas, um meio de transporte comum na época. Com a motorização do transporte pessoal estas facilidades desapareceram.
O atravessamento da ponte a pé permite, no entanto, usufruir de um panorama único e ao mesmo tempo observar a modernidade daquela estrutura projectada há cinquenta anos. Os acessos são mais fáceis do lado do Porto, a partir do Teatro do Campo Alegre e do Centro Desportivo Universitário do Porto, do que do lado de Gaia.
Nas torres dos elevadores, parte integrante da estrutura daquela obra de arte, podem observar-se quatro esculturas ornamentais com cinco metros de altura, fundidas em bronze. Duas do lado do Porto, do escultor Barata Feyo, simbolizando O Génio Acolhedor da Cidade do Porto - na foto acima - e O Génio da Faina Fluvial e do Aproveitamento Hidroeléctrico; e duas do lado de Gaia, do escultor Gustavo Bastos, representando O Domínio das Águas pelo Homem e O Homem na sua Possibilidade de Transpor os Cursos de Água.
28 outubro 2005
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23 comentários:
Está perdoado, Carlos Romão.
Como sempre, a espera valeu bem a pena.
Não quero que este blogue seja autista, mas a verdade é que não me tem sobrado tempo para responder aos comentários, pelo que peço desculpa. Voltarei em breve.
Obrigado Funes!!!
carlos... anda lá a "casa", para veres o novo aspecto da cantina... :-)
Lembro-me perfeitamente da construção da ponte e do espéctaculo que foi o içar da parte centrar da mesma. Pena é que , para mim, acabada de casar, os acontecimentos tenham ficado em 2º plano, sem fotos...th
Olá Carlos,
Sem dúvida que a ponte da Arrábida é um símbolo maior da nossa Cidade! Passo por ela, todos os dias, várias vezes ao dia, e não deixo de me surpreender com o arrojo de um Engenheiro Edgar Cardoso - que é também ele um símbolo maior da Engenharia Portuguesa - um orgulho para nós Engenheiros e para os restantes Portugueses!
Um abrç, e bom fds,
Pedro Estácio
Ainda por lá passei ontem...a vista sobre o rio e com o Porto em pano de fundo...simplesmente delicioso!
Excelentes fotos! Parabéns!
É uma frase gasta, mas apetece dizer que já não há pontes assim. Veja-se a do Freixo - é uma ponte banalíssima, pode fazer-se daquilo por atacado. A Ponte da Arrábida tem "personalidade", tem uma marca. Mas a minha ponte preferida continua a ser a D.Luís.
Voltarei aqui com mais tempo para falar do Edgar Cardoso...
Desde pequeno que esta ponte exercia um grande fascínio sobre mim! Não havia visita à foz (nessa altura em que se usava a marginal como via de acesso) em que não obrigasse os desgraçados dos meus pais a pararem o carro e a subir de elevedor, bons tempos ... Hoje em dia, quando faço as minhas corridas vespertinas por aqueles lados revoltam-me os graffiti estupidos ... mas a colossal magestade da ponte mantém-se!
Concordo em que a Ponte da Arrábida tem um certo encanto. Quanto às vistas, de qualquer uma delas tem-se uma vista fantástica para a cidade. A minha preferida também é a D. Luís. Gosto imenso de vir até este blog e descobrir sempre novos recantos desta cidade, bem como informações super interessantes acerca da mesma. Um abraço e parabéns pelo blog.
minimalismo puro. belo.bjo.
Tenho de Edgar Cardoso a ideia de um génio intratável. Estive com ele umas três vezes ou quatro vezes, aquando da construção da Ponte de São João. Não me tratou mal nem bem.
Nessa época, por razões profissionais, estive várias vezes em visita às obras e ouvi relatos de episódios incriveís. Acresce ainda que nesse tempo - segunda metade de 80 - um amigo meu estava na equipa do ministério das Obras Públicas e deu-me várias vezes conta - em off... - dos ataques de desespero que Edgar Cardoso provocava na equipa do ministro Oliveira Martins.
Ninguém conhecia o projecto da ponte. Porque não havia projecto. Havia apenas uns papéis que nada diziam. Nomeadamente quanto a cusos...
O projecto estava exclusivamente na cabeça de Edgar Cardoso. Que fez da obra um laboratório experimental.
Queixavam-se disso - em off... - o ministro, secretários de estado e outros colaboradores.
A tese deste lado - primeiro e segundo Governo de Cavaco Silva - era a de que no fim do Bloco Central, o ministro socialista Rosado Correia (hoje falecido) entregara o projecto a Cardoso por meras razões eleitoralistas, dando-lhe carta branca e não fazendo as exigências que deveria ter feito, em nome do interesse do Estado.
Lembro-me que em 87-88 começou a "nascer" no rio, próximo da margem, uma estrutura em betão. Seria um posto de observação da obra que Edgar Cardoso exigira. Disseram-me, na altura, que tinha custado 60 mil contos. Concluída a torre, Edgar Cardoso subiu ao topo, olhou e disse que não servia...
Por lá, nas obras, ouvi também relatos de múltiplos caprichos de Edgar Cardoso a colaboradores que lhe eram próximos. Caprichos a que só um génio poderia dar-se porque, no fundo, como era um génio, também lhe permitiam essas atitudes.
Finalmente, os pilares da ponte de São João e o seu desenho original. Foram concebidos por Edgar Cardoso em... cenouras!!! Cenouras que moldava com um pequeno canivete.
Carlos Romão: fico à espera das fotos da Ponte de São João... E das histórias que possa apurar e relatar.
Um abraço.
"o ministro socialista Rosado Correia (hoje falecido)"
Falecido?
De certeza?
Quando?
(A ser verdade, é com muita pena que o sei) :-(
Pode alguém confirmar, P.Favor?
AMNM
Eu tenho a ideia de ter ouvido a notícia... há uns bons anos...
Admito que possa estar enganado, mas presumo que não.
RPS
Troquei meia dúzia de palavras de circunstância com o prof. Edgar Cardoso porque filmei toda a construção da Ponte de S. João. Infelizmente fi-lo num suporte volátil - a fita magnética - que na época era o melhor que havia se o olharmos do ponto de vista da relação custo/qualidade: o vídeo U-matic. Mas isto só interessa para dizer que o filme desapareceu, como terão desaparecido imagens do arquivo da RTP - empresa com que não tenho nada a ver - gravadas em vídeo, porque não terão sido convertidas na devida altura para o suporte cinematográfico. Hoje com o formato digital a história é outra.
O que observei de Edgar Cardoso é que ele era de facto um tipo intratável que usava e abusava de um forte ascendente sobre todos aqueles que com ele lidavam, sabendo também ser afável e simpático. Ouvi-lhe muitos palavrões e observei como noutras ocasiões sabia ser educado.
A execução da Ponte de S. João foi feita sem projecto inicial, porque Edgar Cardoso ia projectando ao ritmo do decorrer da obra, de acordo com os ensaios em modelos físicos que ia executando no seu laboratório. Isto, sendo público, é impensável nos dias de hoje, porque não podia haver previsão de custos. Diz-se, e sublinho o «diz-se» porque só ouvi dizer, que o empreiteiro da Ponte da Arrábida, uma empresa de Aveiro de nome José Pereira Zagallo, abriu falência no final da obra.
Edgar Cardoso deu-se ao luxo de experimentar um processo para as fundações do pilar da margem esquerda da Ponte de S. João e, depois de comprovada a exequibilidade e a eficiência do método, tentou enveredar por outro caminho experimental no pilar da margem direita, o que lhe foi barrado pelo poder político.
O Laboratório Experimental, que o RPS afirma ter custado 60 000 contos, está lá, não sei é se tem alguma utilidade.
Consta que Edgar Cardoso só projectava por convite, mas a Ponte de S. João foi-lhe adjudicada após concurso internacional. Por eleitoralismo, como afirma, ou não, ignoro.
Quanto à busca da forma dos pilares em cenouras talhadas com um canivete, de que também já ouvi falar, creio que não retira mérito ao projectista. Se os modelos tivessem sido executados num qualquer material acrílico moldável, não se contaria essa história e o efeito prático seria o mesmo. Edgar Cardoso sabia muito bem o que fazia. As pontes por ele projectadas em quatro continentes são um bom exemplo da sua capacidade técnica e inventiva.
Quanto a mim a Ponte de S. João é uma obra notável, na tradição de construção de pontes ousadas no Porto. Ousadia que foi interrompida com as pontes do Freixo e do Infante. Talvez porque as ousadias acabam por sair do bolso de cada um de nós.
1- Rosado Correia já faleceu efectivamente. Há já uns bons anos.
2- Como dizia o nosso preocupado Presidente da República, há mais vida para além do orçamento. E há investimentos de muito longo prazo.
As pontes da Arrábida, D. Luís, D. Maria e de S. João acrescentam alguma coisa à cidade. As do Freixo e do Infante não acrescentam nada.
Provavelmente, as primeiras não se contiveram dentro dos orçamentos. As gerações que as construiram tiveram que pagar por isso. As gerações que vieram a seguir beneficiaram e continuarão a beneficiar com isso.
A mim só me preocupam os desvios financeiros quando eles vão parar ao bolso particular de alguém, sem nenhum benefício para a comunidade.
Edgar Cardoso era, evidentemente, um génio.
Aos génios perdoa-se que sejamos :) intratáveis.
Ainda por cima ao Edgar, que era do Porto e usava o apelido Cardoso.
Estamos de acordo, Carlos Romão: Edgar Cardoso sabia muito bem o que fazia. E a história das cenouras é uma curiosidade, nada tem de mal.
Estamos de acordo, Funes: és um génio.
"Funes: és um génio"
Ora, RPS,
Tu só dizes isso, porque é verdade.
Este foi dos melhores posts que alguma vez li. Condiz com a ponte! Parabéns!
Ainda cheguei a andar nos tais elevadores da arrabida por 5 tostões, tendo tambem atravessado já todas as pontes a pé e bicicleta, excepto a Ponte de S João e a D.Maria, a qual era por vezes atravessada por miudos aventureiros pouco tempo depois do seu fecho, essa só a atravessei de comboio no tempo em que havia terceira classe e os bancos eram de madeira. Também concordo que a ponde do Freixo é uma ponte sem personalidade e muito pouco enquandrada no cenário onde se encontra.
Parabéns pela fotos. Já me falaram da Ponte da Arrábida, mas nunca lá fui. Agora fique entusiasmada...
Bom blog...
Quero ajudar com uma exelente foto tirada de avião por mim!
http://pics-88.hi5.com/userpics/688/159/159200688.img.jpg
Estava ainda equipada com duas pistas para bicicletas, um meio de transporte comum na época.
Enfim, modernismos... quem é que precisa dessas coisas hoje em dia? É o que é...
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