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12 janeiro 2012

Janelas do tempo - XII

Três mulheres constituem as figuras centrais desta imagem atribuída, como a anterior, a Marques Abreu, que deverá datar do início do século XX. Uma delas leva na mão um peixe, parco alimento que parece embrulhado num papel, provavelmente de jornal, enquanto outra olha curiosa para trás. Era um trabalho duro, o das mulheres que labutavam no Cais da Ribeira onde, pela via fluvial, chegavam muitos dos víveres e outras mercadorias de que a cidade necessitava. À direita, imobilizado com um calço, vê-se um carro de bois carregado de sacos que poderiam conter carvão. O toldo, à esquerda, deixa adivinhar a actividade comercial que ali havia e se manteve até há alguns anos, antes de ter sido substituída por bares, restaurantes e lojas de venda de produtos destinados ao turismo de massas.


Ao fundo está a estrutura esbelta e imutável da Ponte Luís I, reflectindo o sol da tarde, e um edifício que foi demolido há decénios, deixando aquele espaço mais desafogado, como pode observar-se na fotografia de baixo.

09 janeiro 2012

Janelas do tempo - XI

No final da tarde, quando o fotógrafo disparou o obturador da máquina fotográfica e registou o instantâneo que hoje aqui trago, o bulício que caracterizava o Cais da Ribeira no início do século XX, tinha acalmado. Duas mulheres caminham a passos largos, enquanto outra entra inopinadamente no plano da imagem.


Nas arcadas do muro da Ribeira distinguem-se inscrições (se clicar na imagem vê-la-á maior) de uma mercearia e de uma loja de vinhos e tabacos. Um carro de bois cruza-se com um homem que transporta uma vasilha de lata à cabeça. Há algumas crianças na imagem, mas o grupo preponderante é composto por mulheres que se apresentam maioritariamente descalças. Uma varina, de costas, com a canastra entre as mãos, deixa ver a rodilha na cabeça. Ao fundo, o maciço rochoso do Codeçal cai abrupto diante da Ponte Luís I, quase ocultando a passagem do cais para aquela travessia para Gaia. Esta massa granítica viria a ser desmontada aquando da abertura do túnel da Ribeira, nos anos 40-50 do século passado.

A fotografia, digitalizada a partir de um negativo de vidro no formato 9x12 cm, foi adquirida numa banca de rua a alguém que a atribuiu a José Antunes Marques Abreu, o artista gráfico que, nascido em 1879 no concelho de Tábua, chegou ao Porto em 1893 e aqui faleceu em 1958, após um percurso profissional notável na área das artes gráficas.

26 janeiro 2010

Janelas do tempo - X


A vetusta ponte Maria Pia esteve ao serviço da circulação ferroviária durante 114 anos, entre 1877 e 1991, um record que, provavelmente, os seus construtores não terão imaginado. Apesar de, no primeiro quartel do século XX, ter sido considerada a necessidade da sua substituição, a decisão de construção de uma nova travessia ferroviária do rio Douro só foi tomada no início dos anos 80.

Ao contrário do que é habitual, e seria de esperar, o poder local congratular-se com o investimento público na sua região, no Porto aconteceu o contrário. Paulo Vallada, então presidente da câmara, veio a terreiro manifestar-se contra a construção da ponte, considerando-a um gasto inútil de dinheiro público e defendendo, como solução alternativa, o reforço da estrutura e o alargamento do tabuleiro da ponte Maria Pia. Hoje, se a partir da marginal olharmos para cima e observarmos as duas estruturas, comparando-as, concluiremos que a proposta do político era um puro disparate.
Os jornais da época relatam este episódio picaresco que o Ministério das Obras Públicas Transportes e Comunicações ignorou. A ponte, afinal, era um elemento, entre muitos outros, inserido num vasto plano de remodelação dos transportes ferroviários na área metropolitana do Porto.



Para estudar, conceber e projectar a nova ponte, foi designado o Prof. Edgar Cardoso. Este apresentou, como primeira ideia, o projecto ilustrado acima. Esta travessia, porém, não agradou ao ministério. Foi considerada demasiado cara por ter as fundações no leito do rio multiplicadas por quatro e os pilares em v serem de execução complicada.



Edgar Cardoso, com a energia que lhe era reconhecida, avançou com uma estrutura linear e elegante em forma de pi, com dois pilares fundados no leito do rio e um vão central de 250m de comprimento a 66 m de altura. Após a abertura de um concurso público internacional a construção da ponte arrancou em Junho de 1984.

O Prof. Edgar Cardoso, era, no entanto, um experimentalista, não tinha um projecto de execução que permitisse prever o custo final da enorme estrutura a executar em betão armado. Por isso, a ponte foi adjudicada a um consórcio construtor por cerca de 3 milhões de contos (15 milhões de euros). Com o decorrer da construção, o projecto foi avançando e o preço subindo, atingindo no final 20 milhões de contos (100 milhões de euros).



A Ponte São João, inaugurada em 24 de Junho de 1991, é, apesar destes percalços, uma obra de engenharia notável que honra a tradição da construção de pontes arrojadas no Porto.

18 novembro 2009

Janelas do Tempo - IX

Duas pontes históricas do Porto

A imagem abaixo tem a particularidade de nos mostrar a Ponte Pênsil a par da Ponte Luís I o que deverá fazer dela uma raridade fotográfica dado que as duas pontes coexistiram durante um curto período de tempo, entre 1886 e 1887. Foi tirada por George Tait, a partir do local onde é hoje o Jardim do Morro - tal como a fotografia contemporânea que pretende mostrar o mesmo sítio nos dias de hoje.

Fotografia de George Tait - séc. XIX



Sobre a Ponte Pênsil, baptizada com o nome de D. Maria II, que caiu no olvido, diz-nos o Diário Ilustrado em 1843, ano da abertura da ponte:

«A ponte é de bela construção e elegante perspectiva. Eleva-se 10 metros sobre o rio, tem de comprimento 170,14m e de largura 6m (…) e descansa sobre quatro obeliscos de pedra de 18m de altura, dois de cada lado. (…) O pavimento da ponte está suspenso de oito amarras, quatro por banda, feitas com duzentos e vinte fios de ferro cada uma. (…) Essas amarras, passando por cima dos obeliscos, vão entrar em poços abertos verticalmente na rocha viva, com a profundidade de 8m do lado da cidade e de 14m do lado da vila. Cada amarra pesa 6 mil quilogramas.
As guardas dos lados são feitas em troncos quadrados de carvalho, de 1,50m de comprimento, dispostas em cruz e solidamente pegadas no solho da ponte.
O panorama que se goza do meio da ponte, quer se olhe para o nascente, quer para o poente, é magnífico.»

Apesar do entusiasmo que perpassa pela pena do redactor do Diário Ilustrado, e da Ponte Pênsil representar uma franca melhoria na travessia do Douro, ao substituir a flutuante Ponte das Barcas, a população da cidade e o poder político olharam-na de soslaio. Achavam-na insegura por «tremer como varas verdes», segundo uns, e por estar «muito próxima da água», segundo outros. A espera por outra ponte durou, no entanto, quarenta anos, e esta surgiu, talvez, mais por força da fervilhante actividade comercial e industrial que o Porto do final do século XIX vivia, do que pelos medos populares.

Em 1880 é dado o primeiro passo para acabar com o delirium tremens da travessia. Nesse ano, segundo O Tripeiro, foi aberto o concurso para a construção de «uma ponte de dois tabuleiros, servindo o inferior a parte ribeirinha da cidade e de Vila Nova de Gaia, e o superior, estendendo-se entre as proximidades da rua Chã e Santo António do Penedo na margem direita, até à parte inferior da fortaleza da Serra do Pilar».

A inauguração do tabuleiro superior da ponte Luís I aconteceu em 31 de Outubro de 1886. Um ano depois, em Outubro de 1887, após a abertura de uma passagem provisória no tabuleiro inferior da nova ponte, deu-se o fim do curto reinado de 43 anos da Ponte Pênsil com o início da sua demolição.

22 agosto 2009

Janelas do Tempo - VIII

Uma vista do Douro a partir dos Jardins do Palácio de Cristal

A primeira observação que me ocorre, ao olhar esta imagem, é que a debandada da população do Porto para os concelhos limítrofes ainda não tinha começado quando a fotografia foi tirada no final dos anos quarenta por Fernando Tavares Romão, meu pai, que foi, na juventude, um excelente fotógrafo amador.





Gaia, que hoje alberga mais gente do que o Porto, aparece então menos povoada à beira-rio e na parte alta, na Avenida da República, que daqui se adivinha ladeada por moradias. Os muros, em granito, de contenção do morro onde assenta o Mosteiro da Serra do Pilar não tinham ainda sido construídos.

O conjunto de barcaças negras paradas junto do edifício da Alfândega constitui um testemunho da actividade que o porto do Douro então tinha, actividade que, com o tempo, foi transferida para Leixões. O movimento fluvial de hoje aparece ilustrado, na foto de baixo, por uma imitação motorizada de um rabelo que transporta turistas, embarcação a que Arnaldo Vieira, arrais de rabões, barqueiro, pescador do rio e um dos protagonistas da Arquitectura do Rabelo, reduzia, com humor, à condição de «saboneteira».

De resto as imagens, que não nos revelam grandes diferenças na margem direita, permitem-nos, no entanto, observar que os plátanos do muro das Virtudes eram pequenos e promissores, como se pode verificar nas belíssimas copas que hoje são uma das preciosidades daquele local, enquanto que aqueles que estão diante da Alfândega seriam já adultos quando a fotografia foi tirada há sessenta e tal anos.

06 agosto 2009

Janelas do Tempo - VII


Duas locomotivas e duas estações da antiga linha dos Caminhos de Ferro do Porto à Póvoa de Varzim

O tempo que separa as duas imagens abaixo, do mesmo local na Avenida da França, é de 41 anos.
No final dos anos 70 ainda existia ali uma antiga passagem de nível com guarda, composta por duas cancelas compridas que rodavam, chiando, sobre carris para dar passagem aos automóveis. A avenida era então pacata e silenciosa. E mal iluminada durante a noite, também. O sossego era devido aos automobilistas não gostarem de passar por lá para não correrem o risco de encontrar a passagem de nível fechada, o que, à mistura com a vegetação que se desprendia dos jardins das casas, a tornava num local muito agradável para percorrer a pé.

A construção, no início dos anos 80, de uma passagem rodoviária inferior à linha do comboio veio alterar o cenário anterior. O piso de paralelepípedos irregulares foi substituído por asfalto, a iluminação alterada, os passeios mudados, acabando a rua integrada no bulício da Boavista.

A fase actual, da fotografia, corresponde às alterações que resultaram da integração da linha ferroviária na rede do Metro do Porto em 2002. A rodovia subiu para o nível da rua e o metro desceu, passando a circular numa vala de acesso à estação, que também mudou a denominação de Avenida da França para Casa da Música.





Voltando atrás, ao tempo da passagem de nível. Se tivermos presente que a primeira locomotiva foi criada no Reino Unido em 1804, que a primeira viagem ferroviária em Portugal ocorreu em 1856 - entre Lisboa e o Carregado - e que em 1968 ainda circulavam regularmente composições a vapor no Porto, veremos como foi longo, de mais de um século, o reinado destas máquinas fantásticas de transporte ferroviário.

Na imagem de Brian Stephenson, o excelente fotógrafo que expõe em RailPictures.Net, observamos a locomotiva E141, proveniente da Póvoa de Varzim, partindo, às 13h15 de 26 de Maio de 1968, da Estação da Avenida da França em direcção à Trindade em pleno centro do Porto. Em sentido contrário, representando outra época da locomoção, vê-se uma automotora Allen. Estas são indicações do autor da imagem. Infelizmente, o RailPictures.Net não permite hiperligações directas para as obras dos fotógrafos.

A E141 fez parte de um lote de quatro locomotivas a vapor compradas em 1931 pela Companhia dos Caminhos de Ferro do Norte de Portugal ao construtor Henschel & Sohn. Foram as últimas máquinas adquiridas pela companhia e as últimas em Portugal compradas para a via estreita. Circulou nas linhas do Porto à Póvoa de Varzim e Guimarães, tornando o serviço prestado mais confortável, mais rápido e regular. Existe um exemplar deste conjunto, a E144, conservado no Espaço Museológico de Lousado.





No mesmo dia luminoso de Maio de há 41 anos, Brian Stephenson esteve também na Estação da Trindade registando, para nosso usufruto, o abastecimento de água da locomotiva E84, construída em 1886, que tinha acabado de chegar da Senhora da Hora. Por baixo daquele local passa hoje o túnel do metro que liga a Trindade à estação do Bolhão.

28 abril 2009

Janelas do Tempo - VI

A Tabacaria Africana

Na montra da Tabacaria Africana anunciava-se o Diário de Notícias e a venda de pedras para isqueiros, quando um fotógrafo da casa Alvão, pela manhã, captou a imagem abaixo na esquina da Rua 31 de Janeiro com a Praça da Batalha.





A bela fachada metálica da tabacaria, decorada com motivos florais, formaria, no presente, um interessante triângulo com a antiga Ourivesaria Reis Filhos, cuja frontaria resistiu à passagem do tempo, do outro lado da rua, e o cunhal da Livraria Latina, na entrada de Santa Catarina. Desapareceu, porém, com a demolição do edifício, no entanto, a loja sobreviveu-lhe, naquele local, durante alguns anos em que se notabilizou com a venda de jornais estrangeiros.

03 março 2009

Janelas do Tempo - V

A Flora Portuense

Já aqui aludimos ao carácter multifacetado de Aurélio da Paz dos Reis que além de pioneiro do cinema português foi fotógrafo amador, revolucionário e floricultor de profissão.

Nesta última actividade - que poderá ter menos interesse para a história mas completa a personalidade de Aurélio como homem do século XIX - também ele se distinguiu. Moderno, ousado e empreendedor, relacionava-se com horticultores franceses e holandeses. Os produtos que saíam do seu horto, na Rua Barão de Nova Sintra, eram acompanhados por um certificado de origem que garantia a sanidade das suas sementes e produtos hortícolas, algo invulgar para a época. Foi ali que criou uma variedade de dália, a que chamou Mimo de Nova Cintra.

Na Flora Portuense, a sua loja na Praça de D. Pedro que abriu em 1893, vendia, para além do que produzia no horto, cache-pots, fitas, lápis para escrever em vasos, carvão, café, champanhe, assinaturas de jornais republicanos e... as suas fotografias estereoscópicas.

Dele disse Henrique Alves Costa, o divulgador e historiador do cinema: No Porto era muito estimado pelo seu carácter, pelo seu trato, pela sua verticalidade e honradez de comerciante.





No local onde existiu a Flora Portuense, está hoje a Confeitaria Ateneia, na Praça da Liberdade. Quanto ao edifício, foi substituído por outro que, por sua vez, foi remodelado no ano passado por iniciativa do actual proprietário, neto de Aurélio da Paz dos Reis, o mesmo que tomou a acertada decisão de doar o espólio do avô, em 1997, ao Centro Português de Fotografia.

05 janeiro 2009

Janelas do Tempo - IV

Rua de Santa Catarina

A fotografia abaixo, da Casa Alvão, não prima pelo enquadramento nem pela beleza. Digamos que seria uma daquelas fotos que hoje, com a facilidade da manipulação digital, apagaríamos por não ter interesse. No entanto, apesar de não se perceber exactamente o que o fotógrafo quis retratar, porque os componentes principais da imagem – a rua de Santa Catarina e o edifício da esquina com a Praça da Batalha – nos aparecem amputados, o tempo concedeu-lhe um estatuto de interesse ao trazer até nós alguns pormenores de um mundo definitivamente desaparecido.

O volume do conjunto de edifícios que compõem o quarteirão em causa, que vai até à Rua de Passos Manuel, não foi muito alterado. A mudança estará nas lojas ao nível da rua e na maneira de vestir dos poucos transeuntes, que se apresentam enchapelados.

No local onde está hoje a Livraria Latina, aquela que ostenta no cunhal o busto de um Camões garboso - da autoria do pintor e escultor António Cruz - vemos uma casa que anuncia Ferragens e Gramofones.

Por Santa Catarina corriam, então, duas linhas de carros eléctricos, o 16 e o 17 que ligavam a Batalha, pela Boavista, a Matosinhos e à Foz.

A escadaria de acesso lateral à Igreja de Santo Ildefonso não tinha ainda sido removida, para dar lugar a duas lojas que, apesar de pequenas, impediram a Porto 2001 de repor - no âmbito da remodelação da Praça da Batalha - o conjunto de escadas, ao pedirem uma indemnização exorbitante.






O Coliseu, cuja torre aparece à direita no alto da foto acima, não tinha sido construído. Este pormenor leva-nos a concluir que a imagem da Casa Alvão é anterior a 1941, ano em que foi inaugurada aquela sala de espectáculos.

08 dezembro 2008

Janelas do Tempo - III

Um instantâneo de Aurélio da Paz dos Reis em 31 de Janeiro

A figura central da fotografia abaixo - o homem inclinado, de cartola, casaca e luvas – serviu de símbolo na campanha de divulgação da exposição Manual do Cidadão Aurélio da Paz dos Reis, que esteve patente no Centro Português de Fotografia em Dezembro de 1998.

A mostra deu a conhecer ao grande público, creio que pela primeira vez, a figura ímpar desse portuense ilustre que, para além de ter sido o primeiro português a rodar a manivela de uma câmara de filmar em Portugal, foi também fotógrafo amador, revolucionário por idealismo e floricultor de profissão.

Se dos filmes que rodou poucos sobraram – foram queimados pelos filhos, que muito se devem ter divertido com a chama produzida pelos rolos de nitrato de celulose auto-inflamáveis – o seu espólio fotográfico, constituído por cerca de nove mil negativos e uns milhares de positivos, está hoje bem guardado no Centro Português de Fotografia.



Regressando à imagem, ao redor do cavalheiro da cartola com ar curioso há mais três personagens mirando a câmara fotográfica, aparelho que era uma novidade na época: um adolescente que figura com naturalidade envergando um chapéu palhinhas; um indivíduo que parece posar conscientemente para o retrato e uma figura feminina espreitando, protegida por uma sombrinha, que terá entrado no plano no último momento antes do disparo, completando o cunho instantâneo da imagem, uma das características das fotografias de Aurélio da Paz dos Reis (1862-1931), por oposição, por exemplo, aos enquadramentos cenográficos de Domingos Alvão (1872-1946).

A avaliar pelos trajes dos personagens, a fotografia deverá ter sido tirada entre o final do século XIX e os primeiros anos do século XX. Provavelmente retrata um acontecimento social que terá concentrado aquela pequena multidão no cimo da rua, que então tinha o nome de Santo António. Após o 5 de Outubro de 1910 a rua passou a chamar-se 31 de Janeiro, por ali ter ocorrido um dos episódios mais aflitivos da primeira tentativa de implantação da República, em 1891, acontecimento que teve a participação de Aurélio, o nosso fotógrafo.



A grande diferença entre as duas fotografias, separadas por cerca de cem anos, é a substituição das pessoas por veículos automóveis. De resto, o primeiro e o segundo edifício, do lado direiro das fotos, são os mesmos, assim como os do fundo, onde se mantêm uma empena vazia e uma clarabóia como pormenores assinaláveis; o terceiro edifício foi substituído por outro mais alto, construído em betão. Completando as alterações, a fachada da Igreja de Santo Ildefonso foi revestida, em 1932, por azulejos do prestigiado ceramista Jorge Colaço.

11 novembro 2008

Janelas do Tempo - II

Avenida do Brasil

A imagem abaixo, da Fotografia Alvão, revela-nos um conjunto urbano equilibrado em que sobressai o grande espaço do passeio marítimo da Avenida do Brasil. Terá sido tirada logo após a conclusão do projecto de embelezamento do local, concluído em 1931 com a construção da pérgula, obra do estucador portuense Enes Baganha.





Mas, o que mudou nas quase oito décadas que separam as duas fotos? O que está à vista e muito do que não se vê na segunda imagem.

As moradias que constam na foto antiga, construídas entre os anos 20 e 30 do século passado, desapareceram quase todas, substituídas, a partir dos anos 70, por incaracterísticos blocos de apartamentos, ocultos - na foto a cores - pelos metrosíderos que entretanto ali cresceram, resistindo, como poucas árvores conseguem, à salinidade dos ventos que sopram do Atlântico. Outra resistente é a araucária que figura no centro da imagem a preto e branco, que continua lá, por detrás do Salva-Vidas - a escultura de Henrique Moreira - assinalando a persistência do tempo, juntamente com a pérgula, a balaustrada, a posição inalterada dos candeeiros de iluminação pública e... esse sim eterno, o rochedo que, emergindo do Atlântico diante da Praia dos Ingleses, ganhou direito a nome próprio: o Gilreu.

Para além disto terá mudado também o cuidado posto nos canteiros ajardinados, que hoje parecem abandonados - uma imagem de marca dos jardins do Porto com que convivemos há alguns anos, distinguindo a cidade, pela negativa, dos concelhos vizinhos, da Póvoa a Vila do Conde, de Matosinhos à Maia e daqui a Gaia e a Espinho.

24 outubro 2008

Janelas do Tempo - I

Porto, Esquinas do Tempo é o título do catálogo de uma exposição de fotografias do Grupo IF, que ocorreu nos primeiros meses de 1982.

O grupo recolheu fotografias da cidade, tiradas entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX, e fotografou os mesmos locais, expondo depois as imagens, antigas e modernas, lado a lado, no Museu Nacional de Soares do Reis.

O que me proponho publicar, aqui, é um exercício paralelo ao que foi feito há 26 anos - revisitar locais fotografados - a que chamarei Janelas do Tempo, numa alusão aos rectângulos fotográficos de luz formados no monitor, que nos permitirão comparar o passado com o presente.

A Praça de D. Pedro

O local revisitado hoje é a antiga Praça de D. Pedro, actual Praça da Liberdade, vista pelo olhar de Domingos Alvão. A fotografia é anterior a 1915, ano em que começou a demolição do edifício dos Paços do Concelho - ao fundo na imagem - para abertura da Avenida dos Aliados.





Se da praça daquela época restam hoje, apenas, o prédio à esquerda e a estátua do Libertador, há semelhanças e pormenores muito interessantes em ambas as fotos. Observem-se as parecenças dos toldos e do arvoredo; e a posição do lampião de iluminação pública. E leiam-se as duas placas afixadas no edifício. A que está na varanda, no primeiro andar, anuncia o Consultório Dentário de um tal P. Alexander, Dentista Licenciado. A outra, mais adiante, sobre uma porta no rés-do-chão, diz-nos que no local da actual Cervejaria Sá Reis já se bebia Cerveja Gelada a 40 Reis o Copo, no início do século passado.