30 junho 2005
A Noite do Porto
Shakespeare podia ter vivido aqui. Podia
ter dançado na noite de S. João, quando o rio
transborda para as ruas nas correntes
humanas que as inundam. Podia ter escrito
nos invernos de ausência o que a noite
ensina sobre a privação. Podia ter
ensinado, à beira do cais, que o tempo lascivo
corre como a água, levando o que não há-de
voltar e trazendo o que nunca terá nome
nem corpo. As almas, que empalidecem quando
o sol poente se reflecte nos vidros,
cantam bruscamente o verão: reflexo de um
reflexo, frutos que se deixam colher pela
memória, seres sem ser que não hão-de voltar
a nascer: Mas o que ele cantou, podia
tê-lo cantado aqui. Todos os lugares são,
afinal, lugar nenhum para quem não habita
senão a própria voz: sonho de outra margem,
cantor perdido no labirinto das pontes. Perto
da foz, sem o saber; sonhando a nascente,
como se não fosse ele próprio a única fonte.
Nuno Júdice
29 junho 2005
Esplanada
Naquele tempo falavas muito de perfeição,
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,
agora lês saramagos & coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro dentro de mim.
O café agora é um banco, tu professora de liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes.
Manuel António Pina
27 junho 2005
S. João no Porto - entre a realidade e a ficção
Hélder Pacheco, em recentes entrevistas dadas a propósito do lançamento de «O Livro do S. João», de que é autor, diz-nos que a referência escrita mais remota às festas de S. João no Porto é de Fernão Lopes, na Crónica de D. João I. Aquele historiador das tradições da cidade, refere ainda Almeida Garrett que, no início do século XIX, terá aludido aos festejos são-joaninos em três pontos da cidade: na Lapa, no Bonfim e em Cedofeita. Nostálgico, Hélder Pacheco recorda o apogeu dos festejos nos anos cinquenta e sessenta com as festas de bairro e as multidões que então afluíam à baixa.
Hoje o ponto alto das festas são-joaninas é na Ribeira com dois fogos de artifício. Um da margem direita e outro da margem esquerda. Perguntar-me-ão, «dois fogos, não podia ser só um?». Sim, podia ser só um, mas o fogo, sendo de artifício - tal como a divisão político-administrativa entre o Porto e Gaia - não tem em conta a realidade demográfica da região.
A propósito de fogos festivos e das suas envolventes, deixo aqui um excerto de um hilariante conto de Manuel Jorge Marmelo, retirado da colectânea Porto Ficção, publicada pelas Edições ASA em 2001, intitulado precisamente:
Fogo de Artifício
O senhor presidente da Câmara tinha garantido oitocentas e trinta e seis rebentações de pólvora sobre as águas turvas do Douro, em pirotecnia tradicional, e mais trezentas e vinte e sete explosões de fogo-de-artifício japonês, oferta especial à cidade, tudo acompanhado por vários milhares de decibéis de música épica e jogos de holofotes comandados por um computador inteligentíssimo, instalado do lado de lá do Douro.
Quando o último rojão se desfez no céu, as bocas do povo amontoado nas margens, ao longo de vários quilómetros, permaneciam escancaradas, tardando igualmente em dissipar-se dos olhos arregalados os reflexos das derradeiras fulgurações luminosas. Foi um foguetório lindo, que muitos garantiam ter sido o mais impressionante que a cidade alguma vez havia visto, e ninguém se espantará que a nenhum dos presentes tenha ocorrido a ideia de contar cada uma das rebentações dos petardos. Mesmo, porém, na remota possibilidade de alguém o ter feito, o mais certo é que ao minucioso espectador - algum invejoso da oposição! - tivesse escapado o estrondo que excedeu as mil cento e sessenta e três em que assentava a promessa do imponente edil, o qual há um ano e treze dias se debatia com o magno problema político do fogo-de-artifício e com a necessidade de provar ao mundo que os gajos do Porto são perfeitamente capazes de organizar escorreitamente um arraial popular.
Não fosse, contudo, o sucedido nos primeiros minutos do ano 2000 - e a paródia nacional em que se transformou o «reveillon» falhado dos tripeiros - e o líder da autarquia não se teria dado ao trabalho de confirmar cada um dos rebentamentos. Todavia, o estoiro supranumerário não deflagrou imediatamente no científico espírito do engenheiro uma centelha de estranheza que fosse, atribuindo-o antes a um gesto de cordialidade da empresa contratada para oficiar a romaria. Mil cento e sessenta e três ou mil cento e sessenta e quatro foguetes - que diferença fazia uma explosão a mais ou a menos? O que importava é que em duas semanas o Porto e as gentes no Norte mostraram ao mundo, com três formidáveis espectáculos de luz e cor - no «reveillon» 2001, na festa de Reis, ressuscitada por força do notável falhanço de 2000, e na abertura oficial da capital da cultura - que as más línguas melhor fariam se guardassem respeito ao invicto burgo. Ora tomem lá disto!
O edil fechou os olhos, acabou de bater as palmas com que se assinalou o fim da festa e desenhou nos lábios um sorriso à medida das circunstâncias, satisfeito e altivo, para lançar em redor e assim pôr no devido sítio os vários ministros e demais lisboetas que, às dezenas, tinham subido da capital com a secreta esperança de assistir ao vivo a mais um dos já proverbiais tropeções do orgulho tripeiro. Mas fosse porque o presidente do conselho de administração de uma empresa privada sustentada por fundos públicos se atreveu a dizer que
- Agora só era preciso que o vosso metro se fizesse enquanto o diabo faz estourar um foguete
ou por outro motivo qualquer, o certo é que o sorriso do autarca não durou muito tempo. Desvaneceu-se num pum! e deu lugar a um esgar de espanto, de terror até. O presidente do conselho de administração da empresa privada sustentada por fundos públicos temeu que fosse sua a culpa do sucedido - há piadas que devem ser guardadas para melhor altura e já houve casos de ministros demitidos por coisas assim. A causa do fim do sorriso era outra, porém, até porque o edil não chegou a ouvir o gracejo até ao fim; no instante mesmo em que era dito, um diligente assessor da presidência da Câmara agarrara o engenheiro pelo braço e, entre dentes, murmurou-lhe a única coisa que, para além de um interruptor defeituoso que fizesse colapsar o espectáculo, lhe podia ter estragado a fruição do triunfo:
- Senhor presidente, lamento ter de lhe dizer isto, mas está um corpo a boiar no rio.
(...)
Manuel Jorge Marmelo
Hoje o ponto alto das festas são-joaninas é na Ribeira com dois fogos de artifício. Um da margem direita e outro da margem esquerda. Perguntar-me-ão, «dois fogos, não podia ser só um?». Sim, podia ser só um, mas o fogo, sendo de artifício - tal como a divisão político-administrativa entre o Porto e Gaia - não tem em conta a realidade demográfica da região.
A propósito de fogos festivos e das suas envolventes, deixo aqui um excerto de um hilariante conto de Manuel Jorge Marmelo, retirado da colectânea Porto Ficção, publicada pelas Edições ASA em 2001, intitulado precisamente:
Fogo de Artifício
O senhor presidente da Câmara tinha garantido oitocentas e trinta e seis rebentações de pólvora sobre as águas turvas do Douro, em pirotecnia tradicional, e mais trezentas e vinte e sete explosões de fogo-de-artifício japonês, oferta especial à cidade, tudo acompanhado por vários milhares de decibéis de música épica e jogos de holofotes comandados por um computador inteligentíssimo, instalado do lado de lá do Douro.
Quando o último rojão se desfez no céu, as bocas do povo amontoado nas margens, ao longo de vários quilómetros, permaneciam escancaradas, tardando igualmente em dissipar-se dos olhos arregalados os reflexos das derradeiras fulgurações luminosas. Foi um foguetório lindo, que muitos garantiam ter sido o mais impressionante que a cidade alguma vez havia visto, e ninguém se espantará que a nenhum dos presentes tenha ocorrido a ideia de contar cada uma das rebentações dos petardos. Mesmo, porém, na remota possibilidade de alguém o ter feito, o mais certo é que ao minucioso espectador - algum invejoso da oposição! - tivesse escapado o estrondo que excedeu as mil cento e sessenta e três em que assentava a promessa do imponente edil, o qual há um ano e treze dias se debatia com o magno problema político do fogo-de-artifício e com a necessidade de provar ao mundo que os gajos do Porto são perfeitamente capazes de organizar escorreitamente um arraial popular.
Não fosse, contudo, o sucedido nos primeiros minutos do ano 2000 - e a paródia nacional em que se transformou o «reveillon» falhado dos tripeiros - e o líder da autarquia não se teria dado ao trabalho de confirmar cada um dos rebentamentos. Todavia, o estoiro supranumerário não deflagrou imediatamente no científico espírito do engenheiro uma centelha de estranheza que fosse, atribuindo-o antes a um gesto de cordialidade da empresa contratada para oficiar a romaria. Mil cento e sessenta e três ou mil cento e sessenta e quatro foguetes - que diferença fazia uma explosão a mais ou a menos? O que importava é que em duas semanas o Porto e as gentes no Norte mostraram ao mundo, com três formidáveis espectáculos de luz e cor - no «reveillon» 2001, na festa de Reis, ressuscitada por força do notável falhanço de 2000, e na abertura oficial da capital da cultura - que as más línguas melhor fariam se guardassem respeito ao invicto burgo. Ora tomem lá disto!
O edil fechou os olhos, acabou de bater as palmas com que se assinalou o fim da festa e desenhou nos lábios um sorriso à medida das circunstâncias, satisfeito e altivo, para lançar em redor e assim pôr no devido sítio os vários ministros e demais lisboetas que, às dezenas, tinham subido da capital com a secreta esperança de assistir ao vivo a mais um dos já proverbiais tropeções do orgulho tripeiro. Mas fosse porque o presidente do conselho de administração de uma empresa privada sustentada por fundos públicos se atreveu a dizer que
- Agora só era preciso que o vosso metro se fizesse enquanto o diabo faz estourar um foguete
ou por outro motivo qualquer, o certo é que o sorriso do autarca não durou muito tempo. Desvaneceu-se num pum! e deu lugar a um esgar de espanto, de terror até. O presidente do conselho de administração da empresa privada sustentada por fundos públicos temeu que fosse sua a culpa do sucedido - há piadas que devem ser guardadas para melhor altura e já houve casos de ministros demitidos por coisas assim. A causa do fim do sorriso era outra, porém, até porque o edil não chegou a ouvir o gracejo até ao fim; no instante mesmo em que era dito, um diligente assessor da presidência da Câmara agarrara o engenheiro pelo braço e, entre dentes, murmurou-lhe a única coisa que, para além de um interruptor defeituoso que fizesse colapsar o espectáculo, lhe podia ter estragado a fruição do triunfo:
- Senhor presidente, lamento ter de lhe dizer isto, mas está um corpo a boiar no rio.
(...)
Manuel Jorge Marmelo
23 junho 2005
22 junho 2005
A não perder
Os tradicionais barcos rabelos, que durante séculos transportaram rio abaixo tudo o que o Alto Douro produzia, fruirão de um sopro de vida na regata que partirá da Afurada para a Ponte Luís I, às 13h00 do dia de S. João. Uma oportunidade única para apreciar estas elegantes embarcações, de velas soltas ao vento, a deslizar lentamente sobre as águas do Douro.
Aqui, na Cidade Surpreendente, abordarei em breve "A Arquitectura do Rabelo", título de um estudo do arquitecto Octávio Lixa Filgueiras que serviu como roteiro para um filme documentário, do qual publicarei algumas imagens e textos.
20 junho 2005
Já cheira a S. João
Noite de Sexta-Feira passada em Lordelo do Ouro
Pela parte que me cabe nunca chamarei churros às farturas apesar de o vocábulo castelhano ter já entrado no léxico português com essa acepção. Até aqui, churro, na língua de Camões, significava apenas sórdido, sujo, imundo, longe portanto do conceito das doces e douradas farturas.
E no lugar de churraria, não estaria, antes de se terem mudado os tempos e as vontades, qualquer coisa como Cristina das Farturas?
Deixemo-nos de coisas menores. O importante é que a Primavera, revelada pelo Equinócio de Março, está em pleno declínio e o Solstício de Verão está aí fogoso, à porta, com o dia mais longo do ano a anunciar a grande festa tripeira, a noite de S. João.
Pela parte que me cabe nunca chamarei churros às farturas apesar de o vocábulo castelhano ter já entrado no léxico português com essa acepção. Até aqui, churro, na língua de Camões, significava apenas sórdido, sujo, imundo, longe portanto do conceito das doces e douradas farturas.
E no lugar de churraria, não estaria, antes de se terem mudado os tempos e as vontades, qualquer coisa como Cristina das Farturas?
Deixemo-nos de coisas menores. O importante é que a Primavera, revelada pelo Equinócio de Março, está em pleno declínio e o Solstício de Verão está aí fogoso, à porta, com o dia mais longo do ano a anunciar a grande festa tripeira, a noite de S. João.
17 junho 2005
No Muro dos Bacalhoeiros
Olhando as casas de cores quentes, estreitas e altas, com janelas amplas e varandas extensas, voltadas para o rio.
15 junho 2005
Augusto Gomes e Eugénio de Andrade
No catálogo referido abaixo, da exposição retrospectiva da obra de Augusto Gomes, encontrei dois elementos que relacionam as duas figuras da cultura portuguesa aqui evocadas, por razões diferentes, anteontem: um poema de Eugénio de Andrade e um retrato do poeta executado pelo pintor matosinhense.
Lá está também uma reprodução monocromática do quadro que serviu de mote a José João Brito, para elaborar a escultura de homenagem aos pescadores de Matosinhos.
Retrato do poeta Eugénio de Andrade - 1953
tinta da china-papel - 29,8cm x 19,7cm - colecção [em 1978] do poeta Eugénio de Andrade
Imagem e louvor de Augusto Gomes
Ele pinta lentamente uma luz supliciada,
porque tudo é amor e ama-se lentamente;
aqui e ali sublinha uma pálpebra, uns lábios,
e os olhos procuram o coração dos homens.
Nas suas mãos, raparigas passam despenteadas,
passa um pescador de rosto azul,
passa outra vez setembro, uma criança ainda,
e o mar irrompe de sombra em sombra,
porque tudo é amor, amor difícil, turvo,
lutando por ser diáfano em suas mãos.
Com alegria, descobre a cor da liberdade,
dos barcos, da juventude, e logo esquece.
Volta. Recomeça. Amorosamente
encontra um corpo - um corpo ? -
uma coluna de espanto e recomeça.
Escreve agora na terra um nome inocente,
cinco sílabas brancas, todas elas maduras,
e confia melancólico um segredo
à luz de cinza que se desprende da noite.
Eugénio de Andrade
Sem título/sem data
Óleo s/ tela - 124cm x 164cm - colecção [em 1978] do Banco Pinto de Magalhães
Lá está também uma reprodução monocromática do quadro que serviu de mote a José João Brito, para elaborar a escultura de homenagem aos pescadores de Matosinhos.
Retrato do poeta Eugénio de Andrade - 1953
tinta da china-papel - 29,8cm x 19,7cm - colecção [em 1978] do poeta Eugénio de Andrade
Imagem e louvor de Augusto Gomes
Ele pinta lentamente uma luz supliciada,
porque tudo é amor e ama-se lentamente;
aqui e ali sublinha uma pálpebra, uns lábios,
e os olhos procuram o coração dos homens.
Nas suas mãos, raparigas passam despenteadas,
passa um pescador de rosto azul,
passa outra vez setembro, uma criança ainda,
e o mar irrompe de sombra em sombra,
porque tudo é amor, amor difícil, turvo,
lutando por ser diáfano em suas mãos.
Com alegria, descobre a cor da liberdade,
dos barcos, da juventude, e logo esquece.
Volta. Recomeça. Amorosamente
encontra um corpo - um corpo ? -
uma coluna de espanto e recomeça.
Escreve agora na terra um nome inocente,
cinco sílabas brancas, todas elas maduras,
e confia melancólico um segredo
à luz de cinza que se desprende da noite.
Eugénio de Andrade
Sem título/sem data
Óleo s/ tela - 124cm x 164cm - colecção [em 1978] do Banco Pinto de Magalhães
13 junho 2005
Uma homenagem aos pescadores em Matosinhos
No catálogo da exposição retrospectiva da obra de Augusto Gomes realizada em 1978 no Centro de Arte Contemporânea, então a funcionar no Museu Nacional de Soares dos Reis, aquele pintor é referido como tendo sabido representar a faina e o quotidiano das gentes de Matosinhos, através de uma pintura reveladora do sofrimento da labuta no mar.
Trinta anos após o desaparecimento físico de Augusto Gomes, o escultor José João Brito retomou as personagens do pintor e fê-las renascer, moldando-as em bronze.
O resultado, um generoso grupo escultórico, pode ser admirado em Matosinhos. Está lá tudo: os robustos corpos das mulheres amassados na resistência em terra, o luto nas vestes, a dor nos rostos e o desespero nos punhos cerrados erguidos ao céu.
Difícil é imaginar esta dinâmica de corpos tendo como horizonte o porto de Leixões, encafuada entre um edifício e um bar de praia. Pode ser que um dia alguém lhe dê um lugar mais honroso que sugira a vastidão da beira-mar.
Trinta anos após o desaparecimento físico de Augusto Gomes, o escultor José João Brito retomou as personagens do pintor e fê-las renascer, moldando-as em bronze.
O resultado, um generoso grupo escultórico, pode ser admirado em Matosinhos. Está lá tudo: os robustos corpos das mulheres amassados na resistência em terra, o luto nas vestes, a dor nos rostos e o desespero nos punhos cerrados erguidos ao céu.
Difícil é imaginar esta dinâmica de corpos tendo como horizonte o porto de Leixões, encafuada entre um edifício e um bar de praia. Pode ser que um dia alguém lhe dê um lugar mais honroso que sugira a vastidão da beira-mar.
Labels:
Artes,
Estatuária,
Frente Marítima,
Matosinhos
Rua Duque de Palmela 111
Pelo lado dos lódãos ao fim do dia
depressa se chega agora no verão
à pedra viva do silêncio
onde o pólen das palavras se desprende
e dança dança dança até ao rio.
Eugénio de Andrade
1923-2005
depressa se chega agora no verão
à pedra viva do silêncio
onde o pólen das palavras se desprende
e dança dança dança até ao rio.
Eugénio de Andrade
1923-2005
09 junho 2005
Reflectindo
No início dos anos noventa veio parar-me às mãos, por empréstimo, um álbum com fotografias do Porto tiradas por um cidadão inglês, fotógrafo amador, na última década do século XIX. Entre os inúmeros originais fotográficos havia uma imagem esplêndida, tirada do miradouro da Vitória, que mostrava todo o vale fronteiro à Sé. A curiosidade levou-me a reproduzir a fotografia e a deslocar-me ao local - o largo socalco onde esteve instalada uma bateria de artilharia durante o Cerco do Porto - para observar as diferenças.
Deparei com um edifício de construção recente, um balneário, que sendo útil para a população residente, constitui uma intervenção infeliz por ter tapado parte da vista do miradouro. Como se isto não fosse suficiente para provocar descontentamento, enfeitaram-no com um conjunto de antenas retransmissoras de uma rede de telefones móveis.
O edifício, como muito outros remodelados no centro histórico do Porto, o tal que é património da humanidade, apresenta na fachada oposta à da fotografia um adiantado estado de degradação. Degradação mais próxima do aviltamento que atinge os objectos de consumo que acabam no lixo, e nestes incluo um grande leque que pode ir do automóvel à embalagem tetrapack, do que da serena e respeitável decadência provocada pela marcha implacável do tempo.
08 junho 2005
06 junho 2005
2 de 40 Horas Non-stop em Serralves
A assistência ao espectáculo do malabarista Vicent de la Lavenère,
o enquadramento de uma das oficinas para crianças...
... e a provocação: o Karaoke Bouquet. Um tentador estúdio improvisado...
... e o subsequente momento de fama, para os mais ousados, no interior do museu.
03 junho 2005
Dias de sol
nos jardins do Palácio de Cristal
Referências:
1
«O Palácio de Cristal marcou no Porto a era britânica; a sua influência ríspida, o seu snobismo de colonos cujo espírito às vezes se apura entre o desdém e o fracasso.»
(...)
«Ainda conheci o Palácio de Cristal como o quer ver o Roteiro do Porto, com as naves onde se iam fazer corridas de patins, com um reboar de madeiras que parecia o escalar dos ossos da baleia branca. Era um pouco isso o Palácio: o ventre de um monstro donde se via o mar verde das tílias, onde se expunham rosas em Maio e a pele fumosa da "rainha Cláudia".»
(...)
«O Palácio de Cristal estilhaçou-se para dar lugar ao que se chamou a Calote Esférica, uma espécie de estádio espacial que, de noite, parece uma nave pousada entre o arvoredo, com as vigias iluminadas e tudo.»
Agustina Bessa Luís
2
«No entanto toda a envolvente do palácio permaneceu estonteante, os jardins cobertos de magníficas plantas e sumptuosas árvores; são, ainda hoje, dignas de realce as longas avenidas da entrada decoradas com plátanos e tílias frondosas.»
Porto XXI
01 junho 2005
A luz e a sombra
José Alexandre Ramos comentou a entrada anterior opondo-se ao lugar-comum que diz que o Porto é uma cidade escura, afirmando que a antiguidade e a condição granítica da cidade, conjugadas com o clima, resultam na característica patine portuense.
Patine que tanto pode ser interpretada como «escuridão», por um olhar apressado, como tem sido fonte de inspiração de inúmeros autores, das artes plásticas à literatura.
Outro comentário, o de Mendes Ferreira na sua escrita sentida:
«Escuro o Porto? não de todo. O Porto tem aquela terrível e indizível luz/claridade das pedras, da grandeza dos contrários, dos infinitos estendidos desde a Foz à Ribeira, desde o sol ao entardecer. A luz do Porto é um mistério que se abre depois de fecharmos o olhar sobre o mar.»
Já para José Pacheco Pereira, «as cores do Porto (...) são difíceis de ver e mostrar».
Pegando nas três referências à luz do Porto, motivadas por este blogue, decidi percorrer o sinuoso caminho de as ilustrar. Nada que não tenha já sido feito aqui, só que desta vez o que preside são as dicotomias luz e sombra, e a cor por oposição à sua quase ausência.
Como nota de rodapé, recomendo uma visita à página pessoal de António Amen que, num esforço louvável, nos presenteia com um exaustivo levantamento fotográfico do Porto.
Patine que tanto pode ser interpretada como «escuridão», por um olhar apressado, como tem sido fonte de inspiração de inúmeros autores, das artes plásticas à literatura.
Outro comentário, o de Mendes Ferreira na sua escrita sentida:
«Escuro o Porto? não de todo. O Porto tem aquela terrível e indizível luz/claridade das pedras, da grandeza dos contrários, dos infinitos estendidos desde a Foz à Ribeira, desde o sol ao entardecer. A luz do Porto é um mistério que se abre depois de fecharmos o olhar sobre o mar.»
Já para José Pacheco Pereira, «as cores do Porto (...) são difíceis de ver e mostrar».
Pegando nas três referências à luz do Porto, motivadas por este blogue, decidi percorrer o sinuoso caminho de as ilustrar. Nada que não tenha já sido feito aqui, só que desta vez o que preside são as dicotomias luz e sombra, e a cor por oposição à sua quase ausência.
Como nota de rodapé, recomendo uma visita à página pessoal de António Amen que, num esforço louvável, nos presenteia com um exaustivo levantamento fotográfico do Porto.
Subscrever:
Mensagens (Atom)